A Morning Jog possui uma novidade exclusiva para seus assinantes. Todos os sábados, logo no comecinho da manhã, um e-mail como esse estará na sua caixa de entrada. A edição irá conter um resumo dos principais eventos da semana, um tema de grande relevância que chamou nossa atenção, análises on-chain e recomendações de leituras, para que você aproveite seu fim de semana melhor informado e plenamente consciente das mudanças do mercado cripto. Aproveite!
Pode-se afirmar que a segunda semana de novembro foi uma das mais importantes do mercado cripto nos últimos tempos. Os eventos dos últimos dias entraram para a história como uma das crises mais graves que o mercado já sofreu, se não a maior delas.
A FTX e a Alameda Research, ambas de Sam Bankman-Fried (SBF), anunciaram falência após rumores sobre uma suposta insolvência no início da semana. Os saques de seus clientes foram travados, vários ativos do mercado caíram significativamente e existe um possível risco de efeito cascata que chegue em muitas outras empresas e projetos do mercado. A Binance chegou a assinar um termo de intenção de compra na terça-feira, mas acabou voltando atrás no dia seguinte, complicando ainda mais a situação da FTX.
Alguns outros acontecimentos relacionados a esse caso, além de outras notícias importantes serão mencionados a seguir.
Milhões de dólares em stablecoins e Ethers chegaram a ser retirados da FTX antes dos saques serem travados;
Sam Bankman-Fried disse a investidores que a FTX precisa de um financiamento de cerca de US$ 8 bilhões devido à quantidade de solicitações de saques recebidos nos últimos dias;
SBF chegou a mover US$ 4 bilhões da FTX para a Alameda secretamente;
SBF perdeu o status de bilionário após sua fortuna derreter quase 94% em um único dia;
O CEO da Binance, Changpeng Zhao (CZ), prometeu implementar "Prova de Reservas" por Merkle Trees após o caso da FTX;
Vitalik Buterin divulgou o roadmap atualizado da rede Ethereum;
A Meta decidiu cortar 11 mil funcionários. O número representa 13% da força de trabalho da companhia;
O euro digital pode ter travas de transação e reserva de valor;
O Departamento de Justiça dos EUA apreendeu mais de 50 mil BTC do hack Silk Road, ocorrido há uma década.
O hacker da Deribit começou a transferir os US$ 28 milhões em tokens roubados para o Tornado Cash;
A Solana revelou parceria com o Google e novos detalhes de seu smartphone em evento e anunciou a integração dos NFTs da rede com o Instagram;
A FTX entrou ontem oficialmente em processo de falência e vem causando muitos estragos, assustando investidores e fazendo o mercado cripto despencar. O bitcoin registrou sua mínima histórica do ciclo atual, em US$ 15,7 mil, enquanto o FTT, o próprio token da corretora FTX, desvalorizou mais de 90% em alguns dias. Ecossistemas "consolidados" como a Solana tiveram sua capitalização de mercado reduzida em mais de 50%. Além disso, houve o travamento dos saques dos clientes da FTX em meio a uma série de notícias a respeito de sua insolvência e suas técnicas nada saudáveis de alavancagem. Essa situação pode atrapalhar o processo de adoção da tecnologia, além de influenciar a questão regulatória do mercado.
Nesta edição do Morning Jog, faremos um overview de como os acontecimentos vem se desenrolando; as causas e consequências, o porquê do cenário ser muito pior do que as pessoas estão imaginando e quais são os pontos de atenção para que você, investidor, possa tomar as melhores decisões possíveis.
O principal questionamento que surge em um primeiro momento é: como a FTX chegou nesta situação, sendo que meses atrás, após o crash do ecossistema Terra LUNA, ela estava aparentemente com muito dinheiro, fazendo aquisições de empresas como Voyager Digital e Blockfi que estavam em situação parecida com a qual ela própria se encontra atualmente? É uma longa história e, como dito, a resposta é mais complexa do que parece…
Contextualizando o ocorrido
Antes de responder essa pergunta vale uma breve contextualização sobre alguns dos principais eventos que fazem parte da história da FTX e de seu dono.
2017: Seu fundador e CEO, Sam Bankman-Fried (SBF), cresceu no mercado cripto através da prática de arbitragem de bitcoin entre o Japão e os Estados Unidos após perceber uma grande diferença de preços entre os mercados dos dois países. Em outubro deste ano fundou a Alameda Research, uma empresa de investimento e que atua também como formadora de mercado.
2019: Fundou a FTX, e contou com a Binance como investidora na rodada de financiamento inicial.
2021: A Binance anunciou que venderia sua participação da FTX. A saída aconteceu durante uma nova rodada de financiamento. Em troca, a Binance recebeu um total de US$ 2,1 bilhões em tokens BUSD e FTT como pagamento.
Posto isso, agora podemos entrar no que de fato aconteceu nesses últimos dias.
O estopim
O estopim de tudo isso que vem acontecendo foi uma reportagem da Coindesk publicada em 02 de novembro. Eles tiveram acesso ao balanço financeiro da Alameda Research, o que acendeu preocupações a respeito da sustentabilidade do modelo de negócios adotado pela empresa.
Segundo a reportagem, o patrimônio da Alameda era de US$ 14,6 bilhões, composto por:
US$ 5,82 bilhões em tokens FTT;
US$ 3,32 bilhões em criptomoedas não especificadas;
US$ 2 bilhões em ações não especificadas;
US$ 1,19 bilhão em tokens SOL;
US$ 134 milhões em caixa;
Os outros US$ 2,1 bilhões não foram especificados.
Em contrapartida, o que chamou a atenção foi a quantidade de US$ 8 bilhões em dívidas, composta majoritariamente por empréstimos pegos com outras empresas e protocolos do mercado. Os principais problemas com isso são:
A composição do patrimônio da Alameda é de ativos altamente voláteis e praticamente não existe caixa;
O valor pego em empréstimos, colocando esses ativos altamente voláteis como colateral, não possui uma boa margem de segurança em relação ao patrimônio total. Uma grande desvalorização desses colaterais poderia fazer com eles não fossem mais capazes de arcar com os empréstimos pegos e consequentemente fossem liquidados.
Dessa forma, em uma eventual necessidade de liquidação dos colaterais para pagar os empréstimos feitos (principalmente de tokens FTT, sua maior posição), a pressão de venda enorme faria seu preço de tela despencar.
O malabarismo com o FTT
O que a FTX fez foi imprimir uma quantidade X de tokens FTT. Porém eles colocaram apenas uma pequena parte destes em circulação, cerca de um terço. Dessa forma, o valor unitário do token é correspondente a oferta e demanda natural de mercado de apenas esses um terço dos tokens existentes.
Com uma simples pesquisa no CoinMarketCap ou Coingecko pode-se observar que momentos antes do colapso do token, a capitalização de mercado de FTT era de cerca de US$ 3 bilhões. Como é possível que somente a Alameda tenha em seu balanço US$ 5,8 bilhões em FTT, valor quase o dobro de TODA a quantidade circulante disponível no mercado? Sim, só poderiam ser tokens sem liquidez alguma. Eles não estavam disponíveis em circulação e podiam ser visualizados analisando a capitalização de mercado diluída do ativo.
Dados dos tokens FTT no dia 06 de novembro, antes do colapso
Fonte: CoinMarketCap
Os outros dois terços foram emprestados a Alameda Research e apesar de não poderem ser negociados, em teoria são cotados ao mesmo valor dos demais. Obviamente que se todos forem vendidos, a pressão de venda fará com que o preço despenque drasticamente.
Dessa forma, é interessante para a Alameda e para a FTX que esses tokens não fossem vendidos, para manterem o preço de tela o mais forte possível. Mas nada impede de que eles sejam utilizados como colateral para que empréstimos de outros ativos como ETH e stablecoins sejam feitos.
Com isso, pode-se pegar esses recursos emprestados e utilizá-los para adquirir novos ativos, muitas vezes ativos com a mesma característica (tokens ilíquidos) e assim por diante. Iniciando novamente o processo e formando um ciclo virtuoso de "dinheiro infinito".
Estrutura básica do mecanismo
Fonte: Is Alameda Research Insolvent? - Dirty Bubble Media
Essa estratégia acabou tornando a composição do patrimônio da Alameda por tokens ilíquidos, dentre eles muitos do ecossistema da Solana, o qual Sam Bankman-Fried investiu muito desde seu início.
Esse modelo de alavancagem através do fornecimento dos próprios tokens como colateral para conseguir empréstimos foi uma das causas do colapso da Celsius no primeiro semestre. O processo todo também lembra um pouco do que aconteceu na crise do subprime em 2008, em que vários bancos diferentes faziam empréstimos uns para os outros, se alavancando agressivamente (porém, nesse caso havia o Federal Reserve para "salvar" todos).
Durante o colapso do ecossistema Terra no primeiro semestre deste ano, a Alameda chegou a comprar a Voyager Digital e a Blockfi. Essas empresas de empréstimos constavam na lista de empresas das quais a FTX pegou dinheiro emprestado. Devido a situação de insolvência que elas se encontravam, se não houvesse alguém para salvá-las seria necessário que liquidassem todos os colaterais fornecidos a elas, incluindo tokens FTT.
Neste momento, se isso de fato tivesse acontecido, era bastante plausível que a FTX quebrasse junto com elas visto que seus colaterais perderiam praticamente todo seu valor (como aconteceu agora). Dessa forma, a alternativa encontrada por SBF foi em "dobrar a aposta", se alavancando ainda mais e comprando essas empresas, para que as pendências entre elas fossem resolvidas internamente e os colaterais fornecidos não fossem liquidados.
Agora que a estratégia ruiu, começaram a circular algumas falas do próprio Sam Bankman-Fried mentindo a congressistas sobre o funcionamento da FTX e explicando o mecanismo que ele viria a ser pego fazendo nesta semana, mencionando como exemplo a crise de 2008.
O Tweet de CZ
O ponto é que até então, nada disso estava muito claro. Eram apenas rumores e o mercado não tratou o assunto com a seriedade necessária. Foi apenas quando o CEO da Binance, Changpeng Zhao (CZ), twittou sobre a situação que o mercado começou a dar a devida atenção.
Lembram que em em 2017 a Binance havia investido na FTX e em 2021 havia vendido suas participações do negócio? Pois então, neste último domingo, dia 06 de novembro, CZ anunciou que venderia os tokens FTT recebidos nessa venda de suas participações.
"Como parte da venda de nosso equity da FTX no ano passado, a Binance recebeu cerca de US$ 2,1 bilhões equivalentes em dinheiro (BUSD e FTT). Devido a revelações recentes que vieram à tona, decidimos liquidar qualquer FTT restante", disse CZ, no tweet postado.
A repercussão atrapalhou os planos de SBF em manter o valor de tela do token FTT estável. Como dito, o objetivo da Alameda e da FTX era em não permitir que houvesse uma grande pressão de venda do token, pois isso iria pulverizar suas reservas de bilhões de dólares que estavam sendo utilizadas como colateral, fora que o FUD causaria uma eventual "corrida aos bancos" fazendo com que muitos clientes tentassem sacar seus recursos sob custódia da corretora. SBF até tentou desmentir os rumores de risco de insolvência de suas empresas, porém sem sucesso. Foi exatamente o que se temia que acabou acontecendo, uma onda massiva de solicitações de retiradas e uma pressão de venda do token FTT.
Dessa forma, a única alternativa restante foi a paralisação dos saques. Até o momento eles não foram retomados em sua totalidade e a perspectiva para que isso aconteça é quase nula.
Esse acontecimento somado ao anúncio de um acordo de intenção de compra da FTX pela própria Binance foi a gota d'água para que os preços, que já vinham em queda acentuada, colapsassem de vez. E SBF teve que recorrer a seu maior rival para ter uma chance de se salvar.
"A FTX pediu nossa ajuda nesta tarde. Há uma crise de liquidez significativa. Para proteger os usuários, assinamos uma LOI não vinculativa, com a intenção de adquirir integralmente a FTX e ajudar a cobrir a crise de liquidez. Estaremos realizando um Due Diligence completo nos próximos dias.", twittou CZ, na terça-feira, dia 08 de novembro.
Muitos chegaram a pensar que esse movimento da Binance foi arquitetado desde o início: gerar FUD pelo token FTT para causar uma crise de liquidez e posteriormente comprar sua maior concorrente com grande desconto. Porém, a situação da FTX e da Alameda não é boa nem para a Binance, já que prejudica o mercado em sua totalidade.
A compra acabou não se concretizando. Logo no dia seguinte, quarta-feira, dia 09 de novembro, a Binance anunciou em seu twitter a decisão final em não prosseguir com o negócio após um olhar mais aprofundado da situação e surgirem rumores sobre um aperto da questão regulatória para a Binance, que teria mais de 80% de todo o market share do mercado caso o negócio fosse concretizado.
A decisão manteve a FTX em uma posição extremamente fragilizada, que possivelmente nunca conseguirá pagar seus clientes e ainda por cima levará muitos outros projetos e empresas junto com ela.
Com isso, sua última alternativa foi anunciada ontem, dia 11 de novembro. Foi divulgado que a FTX vai iniciar seu pedido de falência, que deve incluir 130 empresas ligadas ao grupo que possui como as principais a FTX internacional, FTS US e Alameda Research. Segundo a nota divulgada, o objetivo é a recuperação dos recursos pelos stakeholders da corretora. Com o anúncio, o processo segue sendo muito similar ao ocorrido com a Voyager e a Celsius.
As consequências no mercado cripto
Ainda há muitas informações que se tornarão públicas no futuro. Vários outros players tendem a ser afetados diretamente com a situação, como as empresas que investiram na Alameda ou FTX e os projetos e empresas que foram investidos por eles.
Dentre os principais investidores que devem ter prejuízo, cabe destacar: BlackRock, Sequoia, Paradigm e Circle, além dos principais negócios investidos pelos grupos controlados por SBF, que incluem a Blockfi, Voyager Digital, Solana e diversos projetos de seu ecossistema, Polygon, Aptos, Near protocol, Helium, StarkWare, Astar network, Lido Finance, SundaeSwap, Stepn, entre muitos outros.
Dependendo dos termos dos acordos, como o período de vesting dos tokens, a questão da liquidez dos mesmos e a quantidade de participação adquirida, o preço dos tokens de alguns desses investimentos podem se desvalorizar bastante como consequência, porém é necessário que esses casos se esclareçam antes que algo possa ser afirmado com certeza.
Os investimentos de SBF
Fonte: Fortune
Portanto, agora nos resta nos proteger e aguardar o desfecho. O caos está só começando e a perspectiva para o mercado não é boa, seja para os preços ou para o principal problema, que é o abalo da confiança no mercado como um todo. Isso deve atrapalhar a inserção de novas pessoas no curto e médio prazo, acelerar o processo regulatório e talvez até mudar seu direcionamento. E sempre vale lembrar: not your keys, not your coins (se a chave privada da carteira não é sua, suas moedas também não são).
A "corrida aos bancos" da FTX
O indicador Fear & Greed index, que mensura o sentimento de mercado em relação ao momento atual atingiu os 25 pontos, representado pelo sentimento de “extremo medo”. Ele apresentou uma queda acentuada no dia 06 de novembro quando estava em 40 pontos e caiu para os 22 pontos no dia 10 de novembro.
Durante os eventos recentes envolvendo a FTX e a Alameda Research, houve um sentimento de medo por parte da maioria dos investidores, os quais preferiram garantir a segurança de seus recursos fazendo a retirada integral dos mesmos da corretora. Isso acabou causando uma clássica "corrida aos bancos", o que impactou drasticamente as reservas de criptoativos da FTX, principalmente os mais consolidados, como BTC, ETH e stablecoins. Isso contribuiu para sua situação atual de insolvência.
O saldo em BTC se esgotou por completo. Ele já vinha diminuindo drasticamente desde o colapso do ecossistema Terra em março deste ano, quando chegou a quantia de 108 mil BTC travados na corretora;
O saldo em ETH foi de 611 mil para 80 mil ETH em apenas dois dias;
O saldo em stablecoins, incluindo USDT, USDC, BUSD e DAI, também caiu drasticamente. Em meados de outubro, a quantia travada oscilava entre US$ 700 e US$ 800 milhões e foi para praticamente zero.
Por conta dessa fuga de recursos e de todo o pânico generalizado que foi instaurado no mercado, o bitcoin atingiu a mínima do ciclo de preços atual, caindo para aproximadamente US$ 15,7 mil.
O indicador aSOPR (Adjusted Spend Output Profit Ratio), indica a diferença de preço do bitcoin entre o momento em que ele entrou e saiu da carteira. Ele é bom para visualizar se as pessoas que estão transacionando estão fazendo isso com lucros ou perdas. Seu múltiplo atingiu 0,89, representando o menor nível desde junho de 2021 e indicando que os investidores estão em média com 11% de prejuízo no momento atual.
Recomendações de estudos:
“The FTX Collapse: A Market Analysis” - Kaiko
“A Máquina de Dinheiro Infinito do SBF" - thread de @castacrypto
“Research Paper: DeFi on Bitcoin” - Insight DeFi
“The Metaverse, Crypto, Virtual Society” - a16z podcast
Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 16.710,00 / 7D %: -20,66%
ETH - US$ 1.254,00 / 7D %: -23,60%
USD - 5,32 BRL / 7D %: +5,42%