Blockchains modulares: a solução para o trilema das blockchains
Edição #302 - Fechamento semanal - 10 de junho de 2023
O caminho que o mercado cripto vem tomando para resolver suas limitações de infraestrutura está se tornado cada vez mais claro. Se alguns anos atrás a dúvida do mercado era qual blockchain seria a próxima ethereum killer, cada vez mais temos a certeza de que isso não deve ocorrer e o ecossistema cripto deve na verdade ser multi-chain, com diversas blockchains trabalhando em conjunto.
Esse movimento parte muito da tese da modularização, justamente pela necessidade de resolver o trilema das blockchains (ideia de que é difícil para as blockchains atingirem níveis ideais das três propriedades essenciais: segurança, descentralização e escalabilidade). Parece ser um consenso do mercado que as blockchains modulares (especialistas) vão se sobressair sobre as blockchains monolíticas (generalistas).
Fragmentando as funções de uma blockchain em módulos, consegue-se atingir um nível de escalabilidade adequado ao mesmo tempo que se mantém a segurança e a descentralização da rede.
Como observado na imagem acima, uma blockchain pode ser fragmentada em quatro funções principais: execução, registro (settlement), consenso e data availability. Veja o que cada uma delas representa:
Execução: É a camada que os usuários interagem com a blockchain, assinando transações, implantando contratos inteligentes e transferindo ativos.
Registro (settlement): É o local em que as interações executadas na camada de execução são verificadas e computadas na camada base, da blockchain principal.
Consenso: É o ordenamento das transações computadas por meio de uma rede de validadores, chegando a um consenso sobre a validade das transições e o estado atual da blockchain. Proof-of-Work e Proof-of-Stake são algumas das formas de uma blockchain entrar em consenso.
Data Availability: Garante o armazenamento dos dados de transação das diferentes camadas de execução e também os disponibiliza de forma ordenada.
Pela direção que o mercado está tomando, faz sentido uma blockchain fazer menos funções (focando naquelas que domina) e trabalhar em conjunto com outras blockchains complementares a ela, ao invés de tentar fazer todas as funções ao mesmo tempo e acabar pecando em uma delas.
O maior exemplo que podemos trazer desse movimento de modularização é a Ethereum. Dado seu problema de escalabilidade (representado pela alta taxa que os usuários precisam pagar para transacionar ativos na rede), ao invés de se preocupar em resolvê-lo nativamente ela vem delegando a atividade de execução de transações para os rollups, enquanto direciona seu foco nas funções que exerce com maestria: segurança e descentralização. Perceba na figura abaixo a diferença entre as alternativas.
Ethereum sem rollups x Ethereum com rollups
Foi daí que surgiram soluções como Arbitrum e Optimism, que nada mais são que blockchains especializadas apenas em executar transações, sendo que as outras três funções necessárias não são exercidas de forma autônoma e sim delegadas para a primeira camada da Ethereum.
Mas diferentemente da Ethereum que surgiu de forma monolítica em sua concepção ou dos seus rollups que foram criados para serem integrados a uma blockchain monolítica específica (rede ethereum), estão surgindo novas blockchains com arquitetura modular desde sua concepção inicial. Elas não possuem o objetivo de se conectar a uma blockchain em específico, mas sim de estar disponível para as blockchains que quiserem se conectar a ela. Podemos definir elas como modular-centric blockchains.
Assim como existem blockchains especializadas em executar transações, temos em desenvolvimento blockchains especializadas no armazenamento e na disponibilização dos dados referentes a essas transações, ou seja, na função conhecida como data availability.
No relatório State of Crypto 2023 da a16z, um dos maiores fundos Venture Capital do mundo, o setor de data availability foi elencado como um dos cinco mais promissores para o ano de 2023. Seu desenvolvimento é fundamental para aumentar a escalabilidade e está diretamente relacionado à ascensão das soluções de rollups.
Isso porque essa camada de data availability resolve o problema da composabilidade do ecossistema: ela é necessária para que as diferentes camadas de execução (rollups) consigam conversar diretamente mesmo antes das provas das transações já realizadas serem efetivamente registradas na camada base da Ethereum.
Se por um lado isso gera menos segurança do que trabalhar com informações já registradas na camada base da Ethereum, por outro isso permite uma comunicação direta entre os rollups.
Isso na prática possibilita que seus saldos em carteira nos diferentes rollups fossem unificados. Pense que você tem 10 dólares que aparecem como saldo na Arbitrum, na Optimism e em qualquer outro rollup ao mesmo tempo. Assim que você envia 5 dólares para outra carteira na rede Arbitrum, seu saldo final em carteira também se atualiza automaticamente nos diferentes rollups.
Celestia: a solução pioneira
A primeira solução e um dos cases em destaque do setor é a Celestia. Ela já captou US$ 56,5 milhões com diversos fundos de Venture Capital segundo o Crunchbase.
A Celestia é diferente dos designs de blockchain anteriores, que tinham a execução como funcionalidade principal. Seus validadores se especializam apenas em ordenar, armazenar e disponibilizar dados (data availability) e como opção ainda fazer o consenso das soluções de execução e registro que queiram se plugar a ela, sejam do ecossistema da Ethereum ou não.
Ela também consegue integrar e disponibilizar dados de camadas de execução de máquinas não EVM, como WASM, CairoVM e FuelVM. Essa disponibilidade de dados compartilhados entre diferentes soluções de execução permite que os desenvolvedores criem bridges de confiança minimizadas que permitem a interoperabilidade cross-chain.
Isso abre uma nova gama de possibilidades quando falamos de arquitetura de blockchains, que pode ser demonstrada na figura abaixo:
Das opções acima cabe entrar em mais detalhes nos modelos de rollups soberanos (sovereign rollups) e o Celestium.
Rollups soberanos:
Os rollups soberanos foram o modelo inicial proposto para alavancar a adoção da Celestia. Eles são como os rollups da Ethereum, mas se assemelham a blockchains de primeira camada no quesito de não precisar mandar provas das transações para uma camada externa de registro (settlement). A diferença é que eles delegam a função de consenso e a de data availability para um player especializado como a Celestia, ou seja, delegam a ordenação e a disponibilização das informações para um ambiente compartilhado que todos os rollups que a integram possam acessar.
Eles estão alinhados e podem ser comparados com a filosofia de design da Cosmos, em que as zonas mantêm sua soberania de execução ao mesmo tempo que compartilham das informações do ecossistema como um todo.
A principal solução que vem trabalhando com o objetivo de ser um rollup soberano, apesar de também agir de outras formas na composição modular, é a Fuel.
Celestium:
Outro design de arquitetura possível é usar a Celestia apenas para a função de data availability e a Ethereum para o consenso e o registro (settlement). Esse modelo de arquitetura restringe a função da Ethereum em mais um nível, delegando além da camada de execução para os rollups, a camada de data availability para a Celestia.
A segmentação da camada de data availability da Ethereum pode reduzir significativamente o custo e a complexidade da disponibilização de dados da blockchain. Apesar da EIP 4844 do proto-danksharding e posteriormente o Danksharding completo contribuírem para uma diminuição desse custo de disponibilização (que vai ficando cada vez maior conforme mais blocos são registrados), os usuários ainda vão precisar rodar um full node para verificar. A Celestia, por se especializar nisso, consegue reduzir significativamente esse custo e permite até que um light node consiga fazer a verificação, mesmo em um smartphone.
Além da Celestia, outros players relevantes com soluções modulares em desenvolvimento são a Avail (antiga Polygon Avail e agora um projeto independente), que segue uma linha parecida da Celestia e a EigenDA, construída pela Eigen Layer, um projeto que propõe compartilhar a camada de consenso da Ethereum com outros players em um mecanismo conhecido como re-staking.
A única certeza que temos até o momento é que o ecossistema monolítico está ficando cada vez mais ultrapassado. Com a nova gama de possibilidades de arquiteturas de blockchains abertas, não sabemos qual delas vai se sobressair ou se diversos tipos conseguirão conviver em harmonia. De qualquer forma, isso acaba diminuindo o protagonismo da Ethereum em detrimento de um ecossistema mais segmentado e especializado nas diferentes funções que uma blockchain precisa.
As dez notícias mais importantes da semana:
A SEC processou a Binance.US e a Coinbase. O órgão regulador também solicitou uma ordem de restrição temporária para congelar os ativos da Binance.US, que deslistou mais de 100 pares de negociação e pausou sua plataforma de negociações OTC;
O sistema SWIFT e a Chainlink anunciaram uma colaboração para testar a interoperabilidade entre blockchains;
A Hashdex e a SulAmérica lançaram um fundo de previdência com até 20% de exposição ao índice Nasdaq de criptomoedas;
O Mercado Bitcoin recebeu uma licença de instituição de pagamentos do Banco Central; a corretora também foi condenada a pagar R$ 300 milhões a um cliente em caso de golpe envolvendo ex-sócio;
A Polícia Federal (PF) realizou a ‘Operação Criptocard’ contra suspeitos de fraude em cartões de crédito para compra de R$ 19 milhões em criptomoedas;
A MakerDAO abriu caminho para a compra de até US$ 1,28 bilhão em títulos do governo dos EUA;
A volatilidade do Bitcoin atualmente está menor do que as ações das gigantes da tecnologia Amazon e Meta;
A Apple anunciou seu óculos de realidade aumentada, o Apple Vision Pro; segundo o co-fundador do Sandbox, Sebastien Borget, o lancamento vai aquecer os jogos e o metaverso;
A Atomic Wallet sofreu um exploit e alguns usuários relataram a perda completa de seus fundos;
A Louis Vuitton anunciou o lançamento de mais uma coleção de NFTs.
Sentimento neutro dos investidores
O indicador Fear & Greed index, que mensura o sentimento de mercado em relação ao momento atual, está em 50 pontos, representando um sentimento neutro. O indicador segue relativamente estável no último mês, tendo se mantido na faixa entre 44 e 54.
Celestia é a computação em nuvem da Web3
A infraestrutura da Web2 evoluiu de servidores individuais para serviços de hospedagem compartilhada e, finalmente, máquinas virtuais individuais em um servidor compartilhado.
Da mesma forma, a infraestrutura Web3 evoluiu de blockchains individuais para plataformas de contratos inteligentes compartilhadas e, agora, está evoluindo para blockchains de execução individuais em uma camada de consenso compartilhada.
Combinando o melhor da Ethereum e da Cosmos
Enquanto a ethereum prevê um futuro centrado nos rollups, a Cosmos é um ecossistema de L1s soberanas interoperáveis, conhecidas como zonas.
Embora as zonas sejam mais baratas e mais flexíveis do que os Rollups, elas não podem compartilhar a segurança total umas com as outras.
A Celestia combina o melhor desses dois ecossistemas. A visão da Celestia é um casamento das zonas interoperáveis soberanas da Cosmos e dos rollups da Ethereum com segurança compartilhada.
Conteúdos Recomendados:
“Pay Attention To Celestia” - Delphi Digital
“Beyond Monolithic: The Modular Blockchain Paradigm” - Fuel Labs
“Don't overload Ethereum's consensus” - Vitalik Buterin
“Guia Completo sobre Data Availability” - Orlando Telles
Thread sobre EingenLayer - Delphi Digital
Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 26.454,00 / 7D %: -2,27%
ETH - US$ 1.840,00 / 7D %: -2,68%
USD - 4,88 BRL / 7D %: -2,14%
Cotação atualizada em: 09/06/2023 as 13:00
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