Falsos Gurus: Como eles fizeram o mercado perder bilhões
Edição de fechamento semanal - 07/01/2023
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O ano começou com vários países dando passos em direção à Web3. A Rússia apresentou um projeto de lei para o rublo digital (CBDC), o Reino Unido reduziu os impostos sobre criptoativos para investidores estrangeiros que utilizarem corretoras locais e a Austrália ultrapassou El Salvador e se tornou o quarto maior hub de criptoativos do mundo. Entre os outros destaques da semana estão:
O Fórum Econômico Mundial reconheceu o potencial da blockchain;
O Brasil demonstrou a 2ª maior adoção de DeFi do mundo;
A Coinbase fez um acordo para pagar US$ 100 milhões para as autoridades de Nova York;
O Parlamento italiano aprovou o imposto de 26% para lucro com criptomoedas;
A empresa criadora do Final Fantasy reafirmou foco em blockchain games;
O FBI iniciou uma investigação sobre a violação de dados da 3Commas;
A BMW fez uma parceria com a Coinweb para desenvolver um programa de fidelidade na blockchain;
As carteiras vinculadas a Alameda Research foram reativadas;
Sam Bankman-Fried (SBF) se declarou inocente das acusações criminais recebidas;
O PUBG fez uma parceria com a Banger para integrar NFTs;
A Lido ultrapassou a MakerDAO e se tornou o protocolo DeFi de maior TVL do mercado;
O Grayscale Ethereum Trust (ETHE) atingiu seu recorde de desconto frente ao valor da criptomoeda;
A Indonésia afirmou que lançará uma corretora cripto nacional;
A Binance anunciou que interrompeu a negociação de vários pares de criptoativos no mercado à vista;
Gurus são reconhecidos por carregar uma imensidão de seguidores atrás de suas crenças. Mas na história dos criptoativos, os gurus também são responsáveis por levar dezenas de milhares de investidores à falência. Muitos deles começaram o ano de 2022 como heróis que catapultavam o valor do mercado cripto para mais de US$ 2 trilhões em meio ao hype despertado pelas possibilidades da blockchain, mas terminaram o ano provocando uma grande crise de credibilidade e desvalorização maciça do mercado.
Do Kwon fundador da Terraform Labs, Su Zhu e Kyle Davies, fundadores da Three Arrows Capital (3AC), o ex-CEO da FTX Sam Bankman-Fried (SBF) e Caroline Elison ex-CEO da Alameda Research, foram os grande protagonistas do ano. Seus nomes anteriormente envolvidos em discussões sobre transformação da realidade através da Web3, inovação, regulação e, principalmente, em retornos financeiros, agora intensificam sentimentos de insegurança e medo nos investidores.
A realidade dos “falsos gurus” não é específica deste mercado, mas sim uma manifestação comum na história da nossa sociedade. Platão, em sua obra "O Mito da Caverna" já falava da tendência humana de acreditar em ilusões e aparências enganosas. Embora não seja um tema novo, ele se repete constantemente, principalmente em segmentos onde a falta de conhecimento é predominante.
Nesta edição do Morning Jog, faremos um overview das principais práticas utilizadas pelos falsos-heróis para enganar a comunidade cripto, bem como apresentaremos as consequências para o mercado. Vamos a elas!
Do Kwon e o colapso da Terra
Do Kwon é o protagonista da crise do Protocolo Anchor, traduzida no fim da stablecoin algorítimica TerraUSD (UST) e do token Terra (LUNA) que ocorreu em maio de 2022. Antes do colapso, ele era reconhecido pela mídia tradicional como uma das pessoas mais influentes do segmento de criptoativos. Sua imagem e seu protocolo ganharam destaque no mundo ao longo de quatro anos, período no qual fomentou uma pirâmide financeira, popularizando um rendimento de 20% aos detentores de seus tokens.
Para isso, Kwon criou um sistema financeiro que não dependia de reservas em moedas fiduciarias. A manutenção da estabilidade do UST baseava-se em um mecanismo que utilizava o token LUNA como contrapeso, o que contribuia para a expansão do ecossistema em momentos de alta de seu token. Além disso, a expansão era catalisada pelos retornos elevados do protocolo, que estimulavam o interesse e participação de mais usuários, gerando demanda e consequente valorização artificial do token.
Nesse processo, embora os casos de uso fossem limitados à remuneração passiva, no início de 2022, o UST tornou-se a terceira maior stablecoin do mercado. No período, aproximadamente 72% da stablecoin estava depositada no protocolo de empréstimos.
Dessa forma, Kwon criou um sistema que dependia da geração de retornos insustentáveis e, ao mesmo tempo, da valorização de LUNA para a estabilidade do UST. Assim, quando o protocolo se mostrou incapaz de conseguir manter estes pilares, provocou uma venda significativa e isso gerou o colapso dos seus tokens.
A LUNA custava cerca de US$ 116 em abril de 2022 e acabou caindo para uma fração de centavos antes de deixar de ser negociada em corretoras. Já a stablecoin perdeu a paridade em relação ao dólar e deixou de ter alguma função existencial. Isso levou Kwon de herói a vilão.
Do Kwon até compartilhou um plano de recuperação para o token e as coisas pareciam promissoras por um breve período de tempo. Mas o token LUNA finalmente despencou e foi prontamente abandonado. Após a queda, Do Kwon desapareceu. As autoridades da Coreia do Sul emitiram um mandado de prisão, citando violação dos regulamentos do mercado de capitais que levou a uma perda de US$ 40 bilhões para os investidores. E, agora, existem relatos de que Do Kwon está supostamente escondido na Sérvia.
Su Zhu e Kyle Davis, entre apostas em tokens e ostentações com iates
Zhu e Davies construíram credibilidade nas mídias sociais fazendo o papel de gênios financeiros bilionários. Eles traduziram isso em crédito financeiro real e, em seguida, colocaram bilhões de dólares em dinheiro emprestado para trabalhar em investimentos altamente especulativos.
Para isso, estruturaram a Three Arrows Capital (3AC), um fundo de investimento focado em criptoativos. Eles se tornaram grandes promotores da teoria do “superciclo”, ganhando milhares de seguidores no twitter. Segundo a teoria dos dois, os criptoativos vivenciavam um superciclo de alta, então a única coisa que importava era a compra, já que deixaria as pessoas incrivelmente ricas algum dia.
Dessa forma, os fundadores da 3AC estabeleciam credibilidade nas mídias sociais e se apropriavam de empréstimos. À medida que cresciam, ramificam os aportes além do Bitcoin em uma série de projetos de criptoativos novos com maior risco. A empresa parecia não se aprofundar sobre os protocolos, tratando investimentos como apostas sem o devido processo de due diligence (avaliação minuciosa). Ainda no início de 2022, Davies afirmou no seu twitter que não importa no que os fundos de Venture Capital investem, enfatizando que a importância está apenas na continuidade do fluxo financeiro para os criptoativos. O superciclo geraria crescimento, independente das soluções e execuções. Além disso, a trajetória de negligência aos riscos era acompanhada por ostentação, como por meio da compra de um super iate avaliado em US$ 30 milhões.
No entanto, os tempos de bonança encerraram em junho de 2022, quando o fundo 3AC anunciou insolvência, gerando um impacto generalizado nos principais credores de criptoativos, já que o fundo apresentava cerca de US$ 650 milhões em dívidas com a Voyager Digital, US$ 2,3 bilhões com a Genesis Global Trading e US$ 270 milhões com a Blockchain.com.
O estopim do declínio foi o colapso da Terra Luna, já que antes do seu colapso, eles atuavam como um grande defensor do ecossistema. A 3AC detinha 10,9 milhões de tokens LUNA que custaram o equivalente a US$ 559,6 milhões. De acordo com o Wall Street Journal, Kyle Davies disse que ele e Zhu inicialmente conseguiram lidar com o colapso da Terra, mas as condições de mercado pós-Terra pioraram as coisas. Isso coincidiu com um ambiente macro complexo e um período de aversão a ativos de riscos. A 3AC foi então condenada a liquidar seus investimentos e a declarar falência.
Após isso, a dupla Zhu e Kyle viram seu status de gênios bilionários ser modificado para o de foragidos da justiça. No geral, esses eventos e outros relacionados ajudaram a aprofundar os efeitos de contágio no mercado.
A pseudo humildade de Sam Bankman-Fried e a pseudo genialidade de Caroline Ellison: a conexão entre FTX e Alameda Research
Por quatro anos, Caroline Ellison e Sam Bankman-Fried (SBF) trabalharam juntos para construir um império. Ellison administrava o fundo Alameda Research e SBF administrava a corretora de criptomoedas FTX.
Além do trabalho, os dois tinham muito em comum: ambos eram filhos de acadêmicos talentosos, estudaram matemática em universidades de prestígio e divulgaram a importância de doar dinheiro para tornar o mundo um lugar melhor.
Desde 2019, eram apoiadores proeminentes de todo o ecossistema de criptoativos, surgindo como os principais interlocutores entre o mercado e os governos. Enquanto SBF era o garoto-propaganda dos esforços da indústria cripto para encontrar legitimidade e regulação, Caroline Ellison figurava na “Forbes under 30” como um destaque na gestão de investimentos.
Dada a má administração de ambos os negócios, hoje esse movimento parece irônico, já que é responsável por uma das maiores crises de credibilidade da história dos criptoativos. Apesar de SBF fazer uma turnê de desculpas no seu twitter e durante o evento DealBook Summit do New York Times, ainda existem muitas perguntas sem resposta sobre o uso ilegal de fundos de clientes e o relacionamento próximo da corretora com a Alameda Research.
Tal qual o token LUNA, o token nativo da corretora, chamado de FTT, também foi utilizado de maneira duvidosa para enganar investidores, clientes e reguladores. Na edição de 12 de novembro do Morning Jog, detalhamos o “esquema de dinheiro infinito” no qual SBF e Ellison usaram o token FTT para conduzir as fraudes.
Fonte: Dirty Bubble Media
De forma geral, eles estruturaram um modelo de alavancagem através do fornecimento dos próprios tokens como colateral para conseguir empréstimos. Os recursos obtidos eram reinvestidos nos próprios ativos, contribuindo para sua valorização e alavancagem. O processo é semelhante ao que aconteceu na crise do subprime em 2008, em que vários bancos diferentes faziam empréstimos uns para os outros, se alavancando agressivamente.
Nesse contexto, a Alameda obteve capital irrestrito e ganhou carta branca para fazer operações financeiras sem a necessidade de margem. No total, isso permitiu que a gestora investisse em 245 projetos dedicados à Web3.
No entanto, esse esquema perdurou até 02 de novembro de 2022, quando a Coindesk publicou uma reportagem detalhando o balanço financeiro da Alameda Research. Segundo a reportagem, o patrimônio da Alameda era de US$ 14,6 bilhões, mas existiam US$ 8 bilhões em dívidas, composta majoritariamente por empréstimos pegos com outras empresas e protocolos do mercado. Dessa forma, em uma eventual necessidade de liquidação dos colaterais para pagar os empréstimos feitos (principalmente de tokens FTT, sua maior posição), a pressão de venda enorme faria o preço de seu token despencar e a corretora ficar insolvente.
O cenário nos dias posteriores, porém, se mostrou ainda mais grave, já que todos os clientes da corretora tiveram os seus recursos congelados. Com isso, dia 11 de novembro, foi iniciado o pedido de falência e o mercado de criptoativos apresentou uma desvalorização de mais de US$ 150 bilhões nos três dias que sucederam o anúncio.
Em meio ao caos, o império que servia de manchete das principais mídias tinha uma lacuna multibilionária entre ativos e passivos. Apesar de SBF estar respondendo a mais de oito acusações criminais, não houve nenhum comentário oficial sobre Caroline Ellison. Há, no entanto, especulações de que ela poderia testemunhar contra SBF para fechar um acordo de imunidade.
Os casos desses falsos gurus demonstram, portanto, como as informações podem ser utilizadas para manipular a opinião pública. O estudo aprofundado é fundamental para desenvolver um pensamento crítico e analítico, capaz de enxergar além das aparências e das ilusões.
Somente assim poderemos desenvolver um pensamento independente e capacidade de discernimento para identificar e resistir às ilusões que nos são constantemente apresentadas. Este é um processo cada vez mais necessário no setor de cripto, já que os gatilhos de dinheiro fácil e da mudança de realidade sempre estarão presentes para captar dinheiro através da desinformação.
Bitcoin hiberna no inverno cripto
O indicador Fear & Greed index, que mensura o sentimento de mercado em relação ao momento atual, está em 29 pontos, representado pelo sentimento de “medo”. O indicador apresentou uma leve melhora desde a semana anterior, quando apresentava 28 pontos.
Das cinco faixas de sentimento do índice (ganância extrema, ganância, neutro, medo e medo extremo), apenas o “medo” perdurou nas últimas semanas, com a última trajetória ao “medo extremo” ocorrendo no final de novembro, após o colapso da FTX.
Essa estabilização também pode ser observada através dos dados on-chain, que sugerem um período de baixa volatilidade, com a emissão de Bitcoin (BTC) tornando-se cada vez mais inativa à medida que o fluxo financeiro de especuladores diminui.
De acordo com o gráfico abaixo, houve um envelhecimento da oferta, ou seja, temos acompanhado mais a negociação de BTC emitidos no passado do que no presente.
Essa tendência ocorreu durante grande parte de 2022, já que aqueles que compraram BTC no último ciclo de redução viram seus preços de compra retornarem aos preços de 2020. Além de que há cada vez menos incentivos para a mineração, dado os preços de comercialização e custos de “produção”.
Fonte: Glassnode
À medida que a oferta envelhece, o volume de BTC transacionado no curto prazo também diminui, sugerindo uma redução de negociação especulativa e volatilidade do mercado.
A quantidade de oferta de BTC ativa pela última vez entre três e seis meses está agora em mínimos de cinco anos, conforme apresentado a seguir.
Fonte: Glassnode
Esses dados sugerem que a oferta está ficando rara novamente, fator que pode ser um indicativo de oportunidade para especuladores.
Recomendações de leituras:
“Play-to-Own: A Web3 Gaming Thesis” - DeFiance Capital
“Making Metaverse NFTs a Little More Trustworthy” - Future of Gaming DAO
“What Will It Take for Bitcoin Mining Companies to Survive in 2023?” - CoinDesk
“Why blockchain performance is hard to measure” - a16z
Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 16.924,00 / 7D %: +1,71%
ETH - US$ 1.267,00 / 7D %: +5,55%
USD - 5,23 BRL / 7D %: +0,01%
Cotação atualizada em: 06/01/2023 as 17:30
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