Discussão sobre privacidade cresce após Estados Unidos banir Tornado Cash
Edição de fechamento semanal - 13/08/2022
A Morning Jog possui uma novidade exclusiva para seus assinantes. Todos os sábados, logo no comecinho da manhã, um e-mail como esse estará na sua caixa de entrada. A edição semanal irá conter um resumo dos principais eventos, de uma solução nova que chamou nossa atenção, análises on-chain e recomendações de leituras. Assim, traremos reflexões e explicações sobre os principais acontecimentos dos últimos dias para que você aproveite seu fim de semana melhor informado e plenamente consciente das mudanças do mercado cripto. Aproveite!
A segunda semana de agosto foi repleta de acontecimentos importantes. O governo dos Estados Unidos divulgou na última quarta-feira (10) os Índice de Preços ao Consumidor (CPI). No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação dos EUA ficou em 8,5%, frente aos 9,1% do comparativo do mês anterior, que correspondia ao valor mais alto em 40 anos. O número veio abaixo do consenso do mercado, que apostava em uma redução para 8,7%, indicando que além de estar ocorrendo uma desaceleração, ela está sendo maior do que o esperado. Com o anúncio, as criptos reagiram positivamente, assim como os ativos de risco em geral.
O destaque da semana foi o último teste de preparação para a maior atualização da história da Ethereum, que ocorreu na testnet Goerli e foi um sucesso. Ela foi a terceira rede de teste que passou pela mudança do algoritmo de consenso de Proof of Work para Proof of Stake. Elas serviram para preparar o cenário da versão final do The Merge na rede principal e forneceram aos desenvolvedores da rede Ethereum informações técnicas para que tudo ocorra como esperado. A previsão é que o The Merge oficial ocorra entre os dias 15 e 16 de setembro.
Enquanto isso, houve rumores em relação a um possível fork da rede para continuar com o mecanismo de consenso Proof of Work, organizado por mineradores e algumas corretoras. Mas isso perdeu força após as duas principais stablecoins do mercado, USDC e USDT, afirmarem que apoiarão apenas a versão oficial. Como um fork é uma duplicação da rede, caso fosse bem sucedido existiriam o dobro de stablecoins, fazendo com que seu lastro junto ao dólar fosse quebrado. Além delas, a Chainlink também anunciou que não suportará outras versões da rede, além da oficial.
Outro fato que repercutiu bastante na semana foi a sanção do governo americano ao Tornado Cash, um protocolo usado para embaralhar transações em blockchain e dificultar o rastreio de criptomoedas. Todas as pessoas e entidades dos EUA agora estão proibidas de interagir com a aplicação ou qualquer um dos endereços de carteira vinculados a ele. Aqueles que tiverem interação poderão enfrentar sanções criminais. A Circle, emissora da stablecoin USDC, também congelou os fundos do protocolo e das carteiras sancionadas.
Também ocorreu um hack no protocolo DeFi Curve Finance. O hacker alterou a entrada do sistema de nomes de domínio (DNS) do protocolo, encaminhando os usuários para um site falso que continha um contrato malicioso. No entanto, o contrato do programa permaneceu inalterado.
Tudo isso diante de um cenário de valorização do BTC e do ETH. Fechamos a semana com o bitcoin cotado a US$ 23,8 mil* e o ether se mantendo na casa dos US$ 1,9 mil*.
A blockchain é um livro público. Todos podem acessar abertamente todas as transações feitas, de onde os recursos vieram, para onde vão… A maioria dos criptoativos não são anônimos e sim pseudônimos. Isso tem seu lado bom e ruim.
Isso significa que embora os registros em blockchain não revelem explicitamente as identidades de seus usuários, elas mostram seus endereços públicos. Devido a esse alto nível de transparência, praticamente qualquer pessoa pode rastrear os hábitos de gastos de um endereço. Após isso, para ligá-lo a um usuário basta apenas uma única transação relacionada a algum dado pessoal. Se você já compartilhou seu endereço de carteira publicamente ou possui uma conta em uma corretora centralizada e já mandou recursos de lá para sua carteira pessoal, há um ponto de partida para que todo seu histórico seja rastreado e seu endereço de carteira seja ligado a sua identidade.
Com o objetivo de contornar isso, algumas soluções com foco em privacidade foram desenvolvidas. Existem criptomoedas como a Monero e o ZCash, que são privadas por essência, e protocolos como o Tornado Cash, que agrupam criptos depositadas por muitos usuários e as misturam, para que seja difícil descobrir quem enviou o quê e para quem, e como o Polygon ID, que é capaz de fornecer a dApps a possibilidade de verificarem a veracidade de informações solicitadas sem necessariamente ter acesso direto a elas.
Nesta semana, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sancionou a proibição do Tornado Cash, levantando dúvidas sobre soluções de privacidade em geral. O órgão adicionou o site do protocolo e uma longa lista de endereços Ethereum à sua lista negra, proibindo os cidadãos americanos de usar a ferramenta ou de fazer transações com os endereços envolvidos. Segundo o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro Americano, o protocolo foi utilizado para lavar mais de US$ 7 bilhões em criptoativos desde sua criação, em 2019. Além disso, o escritório informou que o Lazarus group, um grupo de hackers patrocinado pelo estado norte-coreano, usou a aplicação para lavar grandes quantias em dinheiro vindo de hacks, como os sofridos pelas bridges Ronin, Nomad e o que ocorreu na rede Harmony. Agora, pessoas e entidades dos EUA poderão ser responsabilizados criminalmente por interagirem com os endereços sancionados ou o protocolo em si. Para potencializar mais ainda os efeitos da sanção, a Circle, emissora da stablecoin USDC, congelou todos os fundos presentes no protocolo e nos endereços da lista negra ligada a ele.
É importante mencionar que o Tornado Cash é um protocolo totalmente descentralizado desde maio de 2020, quando sua equipe renunciou ao controle de sua carteira multisig, por meio de uma atualização de contrato conhecida como “Trusted Setup Ceremony”. A partir de então, os fundadores não têm mais controle do protocolo.
Apesar da grande repercussão sobre a sanção, esse não foi o primeiro caso de intervenção regulatória no setor. Em maio deste ano, o tesouro dos EUA sancionou o mixer de bitcoin Blender.io, também ligado à Coréia do Norte e vários ataques hackers que ocorreram ultimamente. Assim, países como Reino Unido, Austrália e Coréia do Sul proibiram suas corretoras de negociarem tokens privados e o Japão os baniu completamente.
As soluções de privacidade utilizam basicamente três técnicas criptográficas para manter a privacidade de seus usuários, que serão mencionadas a seguir.
Stealth Addresses: É uma técnica baseada na geração de um novo endereço único associado indiretamente ao endereço público para cada transação realizada. Essa tecnologia permite que pessoas transacionem moedas e somente o destinatário veja que agora possui os ativos e somente o remetente possa provar que os enviou.
Ring Signatures: É uma forma de assinatura eletrônica compartilhada em que existem na mesma transação várias outras assinaturas eletrônicas e endereços além do seu, de forma que dificulta o rastreamento direto entre sua assinatura e seu endereço. Além disso, também existe o conceito de “Ring Confidential Transactions” (RingCT), que esconde a quantidade de tokens enviados em uma transação. Seu conceito pode ser compreendido neste vídeo.
Zk-SNARKs: A tecnologia zk-SNARK é uma das possibilidades de zero-knowledge proofs. É um tipo de cálculo matemático que permite que a validação de uma informação possa ser provada sem revelar a informação em si, como por exemplo os detalhes da sua origem, destino e valor de uma transação.
Dito isso, dentre as principais moedas privadas, a Monero é a maior do mercado e utiliza um sistema de três camadas de proteção: “Stealth Addresses”, “Ring Signatures” e “RingCT”, enquanto a ZCash utiliza zk-SNARKS. O Zcash também permite que suas funções de privacidade sejam desativadas se assim for desejado.
Essas moedas são soluções que possuem nativamente a opção de privacidade. Porém, a maioria dos criptoativos como o BTC e ETH não possuem essa característica. Nesse caso, torna-se necessário a utilização de protocolos de mixer.
Como o nome indica, nada mais é que um misturador de criptos, que o usuário deposita suas moedas em uma pool do protocolo junto com as de vários outros usuários. Desse modo, na hora da retirada as criptos são selecionadas aleatoriamente do montante total moedas, para que não haja rastro da origem dos recursos.
Dentre os principais protocolos de Mixer temos o Tornado Cash na rede Ethereum e a Samourai Wallet na rede do Bitcoin.
O Tornado Cash faz essa função de quebrar o link entre os endereços de origem e destino dos recursos através de um contrato inteligente que aceita depósitos em ETH e tokens ERC-20.
Ele também utiliza tecnologia zk-SNARK para obter a privacidade desejada. Em uma solução de mixer, as zk-SNARKs permitem que quando um usuário queira receber valores, uma permissão de saque com uma prova de que os recursos foram depositados previamente deve ser fornecida, a qual pode ter a autenticidade verificada sem que o usuário precise revelar a origem dos recursos. Já a Samourai Wallet utiliza a técnica de “Stealth Addresses”, baseado na proposta BIP 47 do Bitcoin.
Apesar de essas soluções serem usadas para lavagem de dinheiro e práticas ilícitas, essa não é sua finalidade. Há diversas outras usabilidades, importantes para a privacidade dos usuários.
O co-fundador da Ethereum, Vitalik Buterin inclusive admitiu que já utilizou do protocolo Tornado Cash para realizar transações e quando perguntado se mostrou um defensor da solução, dizendo que ela pode ser usada para casos de uso legítimos.
Vitalik também admitiu que usou a plataforma para doar recursos para a Ucrânia, que chegou a disponibilizar endereços para receber contribuições por cripto com o objetivo de tentar contornar o cenário conturbado de invasão russa no país. Doações chegaram de todo o mundo e a preocupação com a privacidade preocupou cidadãos de países mais autoritários ou aliados da Rússia. O Tornado Cash foi identificado como um dos principais serviços utilizados para esse fim.
Reza Jafery (@RezaJafery), líder de comunidade da Decrypt, elencou em uma thread alguns desses exemplos práticos legítimos:
Pessoas que recebem seu salário em criptomoedas e não querem que seu empregador saiba todos os seus detalhes financeiros;
Você paga por um serviço ou produto qualquer em cripto e não deseja que a outra parte veja todo o seu histórico de movimentações on-chain;
Se você deseja presentear alguém anonimamente através de criptoativos.
Além disso, se você acredita que o setor cripto vai se tornar mainstream em um futuro próximo e que todos terão acesso a todo seu histórico de transações financeiras (varejistas, bancos, empregadores em potencial), há o problema de se eles usarão suas informações de forma ética.
Segundo o especialista em criptografia e professor da Universidade Johns Hopkins, Matthew Green, a proibição do Tornado Cash nos Estados Unidos não impedirá organizações criminosas de lavar dinheiro obtido ilegalmente. Como ele é open source, os usuários podem criar novas soluções de mixer a partir dela ou fazer forks do protocolo principal. Nesse caso, o Tesouro Americano teria que sancionar um por um esses novos endereços. Ainda segundo Green, a estratégia do governo americano é insustentável e fere os direitos de privacidade dos usuários.
Apesar do histórico recente de intervenção regulatória no setor, existem soluções como o Polygon ID que tem foco maior em privacidade de dados do que em privacidade de transações querendo estar próxima aos reguladores. Naturalmente essas soluções terão um caminho mais fácil pela frente.
Análise on-chain:
O indicador Fear & Greed index, que mensura o sentimento de mercado em relação ao momento atual, continua em um patamar de “medo”, porém com uma boa melhora em relação a semana passada, indo de 31 para 42 pontos atualmente. Ele vem em uma crescente desde sua mínima do ano em junho, quando atingiu um patamar de “extremo medo”, batendo nos 6 pontos .
Com a aproximação do evento mais aguardado do setor cripto, é importante notarmos o movimento dos investidores no mercado de derivativos agindo a caminho de uma alavancagem maior em ETH do que em BTC.
Pela primeira vez na história, o open interest de opções no Ethereum (número total de posições em aberto) ultrapassou a do Bitcoin. Eles atingiram a soma de US$ 6,6 bilhões, ante os US $4,8 bilhões no Bitcoin.
Embora ainda não seja uma máxima histórica, os contratos em aberto de opções do ETH estão bem perto disso, enquanto os Bitcoin permanecem bem abaixo do pico, em apenas 35% do ATH.
É interessante perceber também o viés direcional dos investidores de Ethereum. As opções de compra com vencimento em setembro superam as opções de venda, com os investidores apostando em preços de ETH acima de US$ 2,2 mil, com contratos em aberto significativos até a faixa de US$ 5,0 mil.
A “Max pain” (nível de preço no qual os compradores de opções sofreriam a maior perda no vencimento) está atualmente em torno de US$ 1,35k, valor menor que o preço de mercado atual.
Porém é interessante observar que apesar do forte viés de compra para o mês de setembro, os mercados de futuros e opções estão em “backwardation” após setembro (quando o preço atual é maior do que os preços negociados no mercado de futuros), sugerindo que os investidores esperam que o The Merge seja um evento de estilo “compre o boato, venda no fato”, se posicionando de acordo.
Recomendações de leituras:
“A realidade virtual que quer englobar todos nós” - Projog
“Apostando na Fusão” - Glassnode Insights
“Measuring SNARK performance: Frontends, backends, and the future” - a16z
“The History of Non-Fungible Tokens (NFTs)” - Andrew Steinwold
“State of Decentral Games Q2 2022” - Messari
Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 24,184,82 / 7D %: +5,57%
ETH - US$ 1.923,72 / 7D %: +14,61%
USD - 5,07 BRL / 7D %: -1,82%