O impacto das provas de reservas nas corretoras centralizadas
Edição de fechamento semanal - 26/11/2022
A Morning Jog possui uma novidade exclusiva para seus assinantes. Todos os sábados, logo no comecinho da manhã, um e-mail como esse estará na sua caixa de entrada. A edição irá conter um resumo dos principais eventos da semana, um tema de grande relevância que chamou nossa atenção, análises on-chain e recomendações de leituras, para que você aproveite seu fim de semana melhor informado e plenamente consciente das mudanças do mercado cripto. Aproveite!
Fechamos a quarta semana de novembro com muitos acontecimentos importantes, e alguns preocupantes. Ainda estamos vendo o desenrolar da quebra da FTX, com destaque para a holding DCG (Digital Currency Group), grupo detentor da Genesis e da Grayscale. Rumores a respeito de uma possível falência da Genesis e uma possível necessidade de dissolução dos fundos da Grayscale para que o grupo consiga arcar com o prejuízo ganharam força. Alguns acontecimentos relacionados a esse caso, além de outras notícias importantes serão mencionados a seguir.
O Grayscale Bitcoin Trust (GBTC), maior fundo de Bitcoin do mundo, está sendo negociado com 45% de desconto em relação ao preço do Bitcoin.
O CEO do Digital Currency Group (DCG) disse que a holding possui US$ 2 bilhões em dívidas.
A Grayscale disse que não vai divulgar a prova de suas reservas por "preocupações de segurança".
A Amazon anunciou a produção de uma série sobre o caso FTX.
O Coinmarketcap lançou uma ferramenta para permitir que os usuários monitorem a prova de reservas de corretoras.
A Tether moveu US$ 1 bilhão de USDT da Solana para a Ethereum.
O Telegram lançou um marketplace para nomes de usuários utilizando a Blockchain TON.
A Rockstar baniu NFTs e criptomoedas dos servidores de GTA RP.
O Bank of America disse que as provas de reservas das corretoras de criptomoedas ainda possuem muitas deficiências.
A Chainlink anunciou que o staking (v0.1) iniciará em 06 de dezembro para usuários selecionados e 08 de dezembro para o público geral.
A Ark Investment Management adquiriu cerca de US$ 1,5 milhão em cotas do Grayscale Bitcoin Trust (GBTC).
O CEO da Coinbase garantiu que as reservas de bitcoin da empresa estão totalmente asseguradas.
A Cardano anunciou que a primeira stablecoin descentralizada de sua blockchain começará a operar em janeiro de 2023.
O banco JP Morgan registrou a patente de sua wallet de criptomoedas.
A Rússia pretende lançar uma corretora de criptomoedas estatal.
Como tratado nas últimas duas edições de fechamento semanal da Morning Jog, estamos passando por um dos momentos mais críticos do mercado cripto. As práticas de alavancagem e a consequente falência da FTX e Alameda Research estão causando reflexos em vários agentes do mercado, gerando um efeito cascata (que na verdade se iniciou com o colapso do ecossistema Terra no primeiro semestre). Uma das consequências dos rumores iniciais a respeito da corretora causou uma "corrida aos bancos", com os clientes sacando seus recursos com medo de uma possível insolvência da corretora (que acabou se concretizando). Muito disso é resultado da falta de transparência dos balanços financeiros dos fundos dos clientes sob sua custódia. Isso acendeu um alerta nos investidores, que começaram a prestar a devida atenção a respeito das provas de reservas das corretoras centralizadas, desconfiando se não existem outras no mercado em situação parecida à FTX. O movimento iniciado pelo CEO da Binance ganhou força e adesão de diversos outros players neste mês de novembro. Nesta edição, falaremos sobre quais são as formas para que os clientes não precisem confiar cegamente na gestão financeira dos recursos sob posse das corretoras e em especial uma técnica criptográfica chamada de Merkle Tree, a qual pode trazer a transparência necessária para que os usuários se sintam mais seguros.
Fonte: @cz_binance
Depois da falência da FTX, um dos primeiros questionamentos que veio na mente das pessoas foi: como prevenir que novos casos como esse aconteçam através do aumento da transparência dos balanços financeiros das corretoras? O correto seria que elas provassem de alguma forma que os fundos que estão sob sua custódia são suficientes para cobrir os pagamentos de todos os seus clientes.
Uma das formas de fazer isso seria a tradicional. No caso, a mesma que bancos e corretoras do mercado financeiro fazem uso. Licenças governamentais, auditores, análise da governança corporativa e os antecedentes dos indivíduos que a administram são algumas das ferramentas utilizadas nesse processo. Porém, existem formas mais simples e transparentes aos próprios clientes que essa.
Provas dos ativos em lista
Para conseguir comprovar o valor total em pendência com os usuários a partir de seus depósitos, uma alternativa é a corretora simplesmente publicar uma lista com os nomes e saldos de seus clientes conjuntamente com uma prova da propriedade das carteiras onde os fundos estão armazenados. Dessa forma, sua solvência pode ser comprovada de forma transparente, pois os usuários podem acessar as informações e conferir se seus saldos estão inclusos na lista.
O problema com isso é relacionado a privacidade dos usuários, porém existe uma forma de que isso seja feito e ao mesmo tempo a privacidade dos usuários seja mantida: a técnica de Merkle Tree.
Provas de reservas por Merkle Tree
Uma Merkle Tree é uma técnica criptográfica de compactação de informações. Ela foi desenvolvida ainda nos anos 1980 por Ralph Merkle, um cientista da computação que passou anos trabalhando com criptografia e permite uma maior eficiência e segurança na verificação, preservando a privacidade das informações. Ela é uma estrutura composta por "folhas" e "galhos" além de uma "raiz", assim como uma árvore convencional. Porém, nesse caso, os nomes e os saldos dos clientes são as "folhas", o agrupamento de alguns conjuntos dessas informações são os "galhos" e a somatória de todas as informações acaba resultando na "raiz" da árvore. Esse método é evidenciado na imagem a seguir.
Técnica criptográfica de Merkle Tree
Fonte: Having a safe CEX: proof of solvency and beyond
O ponto de partida é a base, onde estão as "folhas" (os saldos de cada um dos usuários) e no topo está a "raiz", que confirma a veracidade de todas as informações sob sua guarda.
Essa técnica é útil não só a esse caso de uso, sendo também utilizada para otimizar o armazenamento dos dados históricos de blockchains, diminuindo a quantidade de informações que um node validador precisa ter consigo e assim tornando-a mais escalável. Isso ocorre pois os nodes através dessa técnica conseguem confirmar a veracidade das informações necessárias para validar novos blocos da rede através de apenas uma pequena amostra da totalidade, ao invés de precisar de todos os dados.
Apesar de em comparação com as provas em lista esse modelo garantir muito mais privacidade, ainda existem formas de aumentá-la ainda mais. Ainda utilizando a imagem acima como exemplo, Charlie consegue saber que alguém tem saldo de 164 ETH, visto que essa é a quantia que somada a seu saldo resulta em 174 ETH. Ou que dois usuários possuem somados 70 ETH. É aí que entra a tecnologia de ZK-SNARKs, um tipo de Zero-knowledge proof utilizado para checar a veracidade de uma informação sem revelar a própria informação.
Até aqui já temos um progresso gigantesco em relação ao modelo que a maioria das corretoras centralizadas vem ou vinham usando até agora. Porém, ainda podemos otimizar mais ainda esse método. Até agora, o que foi discutido foi sobre a corretora provar que possui a posse dos fundos de seus clientes. Podemos dar um passo à frente e discutir também o fato das corretoras terem o controle direto das movimentações desses fundos, estando assim suscetíveis a roubos e transferências sem permissão dos verdadeiros donos. Temos como impedir isso através de soluções como Plasma e Validium.
Corretoras centralizadas não custodiais
A Validium chama mais atenção atualmente. Ela também usa provas de validade como os zk Rollups, com a diferença de não armazenar os dados das transações na camada principal da rede e possuem diversos casos de uso. Um servidor centralizado pode executar algum código e provar que está executando o código corretamente através dessa tecnologia. Dessa forma, o operador não consegue movimentar os fundos de seus usuários sem o consentimento dos mesmos, embora a depender dos detalhes da implementação, os fundos dos usuários podem ficar presos se o operador desaparecer.
O importante de tudo isso é entendermos que a custódia de ativos nesse mercado não deve ser enxergada como algo centralizado ou descentralizado. Existem diferentes níveis de descentralização, incluindo formatos híbridos. O esquema abaixo mostra bem esse raciocínio.
Níveis de descentralização das corretoras
Fonte: Having a safe CEX: proof of solvency and beyond
Porém, não necessariamente as opções mais à direita são as melhores. Isso vai depender muito das necessidades dos usuários, pois ao mesmo tempo em que através de uma corretora centralizada não custodial você tem a garantia de que seus fundos não serão movimentados e/ou roubados pela corretora, existe a necessidade dos usuários lidarem com seus próprios erros. Caso ele esqueça a senha, perca o acesso a conta ou seja hackeado por exemplo não existe a possibilidade de fazer como hoje em dia e solicitar uma recuperação de senha por e-mail com confirmação por KYC (Know Your Customer). É uma troca que deve ser muito bem pensada.
Qual o estado atual das principais corretoras
A Binance publicou em um primeiro momento apenas a lista das chaves públicas que estão sob sua custódia, porém a ideia é que em breve as provas dos saldos das reservas de seus usuários sejam publicadas utilizando a técnica de Merkle Tree, para que seja possível ver se a quantia corresponde a mais ou menos do valor dos ativos que eles informaram possuir em custódia. Quem já se adiantou nesse sentido e implementou as Merkle Trees para disponibilizar os saldos de seus usuários por enquanto foram as corretoras Kraken, Coinbase e Gate.io. A lista completa de corretoras e o estado de suas provas de reservas podem ser conferidas aqui.
Dados On-chain
O indicador Fear & Greed index, que mensura o sentimento de mercado em relação ao momento atual está em 20 pontos, representado pelo sentimento de “extremo medo”. O indicador se estabilizou desde a queda acentuada no dia 06 de novembro, quando estava em 40 pontos e caiu para os 22 pontos no dia 10 de novembro.
O famoso gráfico conhecido como "rainbow chart" foi desenvolvido em 2014 e foi muito utilizado ao longo dos anos para ajudar na compreensão dos ciclos de mercado do bitcoin. Porém durante o bear market atual ele parou de fazer sentido, pois não vinha mais acompanhando as projeções esperadas. Desde seu desenvolvimento há cerca de oito anos, surgiram muitos novos dados de preço do Bitcoin. Por conta disso foi desenvolvido sua versão 2.0 com uma nova metodologia que corrigiu as falhas da versão anterior causadas pelo momento atual. A nova versão pode ser conferida em tempo real aqui.
Falando agora sobre os reflexos dos acontecimentos recentes envolvendo a FTX. O gráfico abaixo mostra a porcentagem de bitcoins que estão sob custódia de corretoras centralizadas.
O momento atual indica que os holders pretendem se proteger das incertezas e segurar o ativo pensando no longo prazo.
Quantidade de bitcoins nas corretoras (%)
Esse processo se intensificou recentemente além do contexto convencional de bear market, pela insolvência da FTX que provou na prática a importância dos usuários manterem a própria custódia de seus ativos. A porcentagem de bitcoin nas corretoras no período em que o ativo atingiu sua a ATH chegou a quase 15% da oferta total e caiu para cerca de 13% até o momento em que os rumores a respeito do colapso da FTX surgiam. Desde então, houve mais 0,7% de outflow em apenas duas semanas. A quantidade percentual caiu de 12,9% para 12,3%, onde se mantém atualmente.
Já as baleias de bitcoin (carteiras com mais de 10 mil BTC), como já era de se esperar, vem aproveitando a correção do mercado para acumular mais moedas pensando no longo prazo.
Endereços com saldo ≥ 10k BTC
Recomendações de leituras:
“Having a safe CEX: proof of solvency and beyond” - Vitalik Buterin
“Mega-Thread sobre a DCG” (Partes 1, 2 e 3) - @castacrypto
“Uncertainty Amongst Whales and Old Hands” - Glassnode Insights
Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 16.516,00 / 7D %: -0,52%
ETH - US$ 1.191,00 / 7D %: -1,15%
USD - 5,41 BRL / 7D %: +0,54%