Para além da camada base: entenda o ecossistema do Bitcoin
Edição #374 - Fechamento semanal - 02 de setembro de 2023
Um dos principais pilares que fazem o Bitcoin ter valor é o fato de sua blockchain ser pouco flexível. Poucas atualizações ocorreram em sua história e mesmo as que ocorreram, como o Taproot, não alteraram significativamente a forma como a rede funciona, quando pensamos na ótica do usuário final. Sua simplicidade, estabilidade e previsibilidade o torna um ativo único.
Por conta disso muitos pensam que a rede parou no tempo e não permite inovação. Porém, o ecossistema do Bitcoin vai além do que chamamos de sua camada base.
Visando dar mais escalabilidade e programabilidade à rede, certas inovações estão sendo construídas em cima do Bitcoin. Com a camada base servindo de unidade de conta oficial, as segundas camadas têm espaço para ampliar os casos de uso do ativo buscando viabilizar uma maior adoção da sua blockchain pela sociedade.
Figura 1: Evolução da blockchain do Bitcoin
Esse setor de soluções abrange, além de outras, a Lightning Network, a Stacks, a Rootstock e a Liquid Network, as quais entraremos em mais detalhes nesta edição de fechamento semanal da Morning Jog.
Lightning Network
A Lightning Network não possui token próprio e tem um TVL de US$ 121 milhões, sendo atualmente a principal rede de segunda camada do Bitcoin. Ela é composta por uma série de endereços de carteira da blockchain do Bitcoin que "aprenderam" a obedecer um novo conjunto de regras que determinam como duas carteiras vão transacionar entre si. Isso é realizado através de seus "canais", de forma off-chain.
Um canal Lightining é um endereço multisig na rede do Bitcoin compartilhado entre dois usuários. Dessa forma, a chave privada da carteira é fragmentada em duas partes, as quais são necessárias para movimentar os fundos nela contidos.
Porém, mesmo sendo uma multisig, o dono do ativo não precisa abrir mão da auto-custódia. Se uma das partes fornecer 1 BTC para a liquidez do canal e a outra parte não contribuir com nada, o proprietário dos recursos deve propor, no momento de abertura do canal, que a outra parte assine previamente sua parte da multisig. Isso permitirá a remoção dos recursos e o fechamento do canal quando o proprietário dos recursos inicialmente depositados desejar, precisando apenas assinar sua parte da transação e submetê-la on-chain na rede principal do Bitcoin.
Figura 2: Como funciona um canal na Lightining
Além disso, os canais possuem autonomia para definir suas próprias regras, como o valor a ser pago em taxas, por exemplo.
Esse mecanismo permitiu e continuará permitindo que o bitcoin se aproxime da vida das pessoas. Com uma finalidade de confirmação instantânea das transações e taxas baixas, um novo caminho de possibilidades que antes eram inviáveis em grande escala se abre. Aqui, podemos mencionar a utilização do ativo para o envio de "tips" ou seja, gorjetas, para o autor de uma thread no Twitter ou de um artigo no Medium, em uma frequência elevada.
Se a camada base do Bitcoin representa a descentralização do ouro e dos bancos centrais, a Lightning Network representa, portanto, a descentralização dos bancos comerciais, contas de pagamento e cartões de crédito. O mais interessante é que ela tem potencial de ser mais do que apenas uma solução de pagamentos. Alguns já a consideram a rede como uma "data value network", ou seja, uma nova internet P2P, semelhante ao que foi a rede Tor, A diferença reside no fato de já ter uma moeda nativa, maior privacidade e mecanismos anti-spam.
Essa semelhança se deve ao fato da rede permitir o tráfego de dados no geral. Essa é inclusive a forma utilizada para se transacionar BTC na rede, visto que as transações individuais não são registradas on-chain na camada base (apenas são, quando há contestação entre as partes). Dessa forma, nada permite que futuramente outros tipos de dados/informações sejam trafegados na Lightning também. Um exemplo seriam os dados fornecidos por serviços de armazenamento e processamento computacional descentralizados. E se isso for feito por um canal Lightning, as recompensas por prover esse serviço seriam pagas em BTC.
Stacks
A Stacks (STX) é uma blockchain que introduziu o conceito de contratos inteligentes por cima da blockchain do Bitcoin, permitindo a criação de dApps, stablecoins, tokens e NFTs em seu ecossistema. Isso amplia a utilidade do BTC e tem potencial de desbloquear uma imensa quantidade de liquidez, além de trazer mais eficiência de capital aos investidores do ativo. O WBTC (Bitcoin envelopado) na rede Ethereum possui atualmente um market cap de US$ 4,4 bilhões e demonstra que muitos usuários gostam de utilizar o bitcoin para operações no mercado DeFi.
A origem do projeto foi o departamento de ciência da computação da universidade de Princeton. Em 2013, quando surgiu, o nome era Blockstack. O foco do projeto era diminuir a dependência que sites e aplicativos de smartphones tem de serviços de nuvem centralizados, eliminando a necessidade dessas aplicações armazenarem as informações dos seus usuários. A Stacks lançou sua mainnet em 2018 e em 2020 sofreu uma grande atualização, passando a se conectar nativamente a rede do Bitcoin.
Figura 3: Como a Stacks conecta a rede do BTC
Fonte: Coin 98
Seu processo de validação é conectado a rede do Bitcoin e é intitulado como Proof of Transfer (PoX). O validador da rede, ao invés de precisar investir um alto processamento computacional resultante em um grande gasto energético, ele precisa gastar bitcoins para competir no processo de validação da rede. Em troca, ele recebe como recompensa tokens nativos da Stacks (STX). Esses bitcoins gastos para validar a rede, por sua vez, são enviados para os "stackers", como são chamados os usuários que travaram seus tokens STX em troca de recompensas em bitcoin.
Figura 4: Funcionamento da Stacks
Atualmente, o ecossistema da Stacks possui um TVL de US$ 35 milhões, o que a coloca muito atrás de outros projetos de segunda camada, como os do ecossistema da Ethereum. Grande parte desse valor (US$ 31 milhões) se deve a seu maior protocolo, chamado ALEX, que é uma corretora descentralizada (Dex). Quase todo o restante é concentrado no protocolo Arkadiko (US$ 4,3 milhões), que é uma plataforma de empréstimos que se pagam sozinhos com os bitcoins ganhos no processo de staking do token STX.
Seu TVL ainda não despontou muito por conta da limitação de opções de tokens e possibilidades fornecidas atualmente. Um acontecimento que pode impactar fortemente essa métrica é o lançamento do sBTC, que funcionará como o BTC da Stacks. O token entrou em fase alpha de testes no segundo trimestre deste ano. Ele promete ser a melhor opção de bitcoin sintético do mercado, seguindo um modelo mais trustless do que o WBTC, por exemplo.
Rootstock
A Rootstock teve sua mainnet lançada em 2018 e também é uma camada que permite a utilização de contratos inteligentes em cima do Bitcoin, sendo possível criar dApps, stablecoins, tokens e NFTs em seu ecossistema. A diferença primária dela para a Stacks é que a Rootstock tem o BTC como token nativo (RBTC) e possui compatibilidade com a Ethereum Virtual Machine (EVM), permitindo que contratos escritos em solidity sejam utilizados em sua rede, além ser compatível com soluções como a Metamask.
Essa layer 2 se conecta a rede principal do Bitcoin através de um mecanismo chamado de "merged mining". Ele permite à rede compartilhar da segurança do bitcoin, permitindo que os mineradores escolham minerar simultaneamente na rede Rootstock, sem custos adicionais, em troca de receber taxas pelas transações que ocorrem em sua rede.
Seu ecossistema possui atualmente um TVL de US$ 80 milhões e é composto por protocolos DeFi, como MoneyOnChain e Sovryn.
Liquid Network
A Liquid Network é conhecida como a "camada financeira do Bitcoin". Ela é mais uma solução que viabiliza a utilização de contratos inteligentes em cima da rede principal, sendo possível criar dApps, stablecoins, NFTs e principalmente ativos tokenizados como bonds e securities em seu ecossistema de forma nativa. Ela também possui o BTC como token nativo (L-BTC).
Seus principais diferenciais são o tempo em que um novo bloco é criado (1 minuto) e a possibilidade de fazer "transações confidenciais". Um usuário pode definir se uma transação feita na Liquid Network será privada ou não. Isso possibilita a ocultação da quantidade transferida e até mesmo o ativo transferido, se é L-BTC, USDT ou qualquer outro.
Sua rapidez na criação e finalização de novos blocos viabiliza desde taxas mais baixas até a negociação de opções. Seu principal protocolo em operação é atualmente a DEX SideSwap.
Ainda é apenas o início
Passando pelas principais soluções do ecossistema do Bitcoin, pode-se concluir que seus estágios de desenvolvimento ainda estão em um momento bem inicial. Apesar das possibilidades abertas proporcionadas por essas soluções, a maioria delas ainda não é realidade e não atingiu seu verdadeiro potencial, tanto em infraestrutura base quanto em adoção dos usuários. Para entender melhor as diferenças entre cada uma delas, observe a imagem com o comparativo entre cada Layer 2:
Figura 5: Comparativo das principais Layers 2 do Bitcoin
O estágio atual das segundas camadas do Bitcoin permanece bem inferior à de outras plataformas de contratos inteligentes de primeira camada e de soluções de escalabilidade de segunda camada da Ethereum, por exemplo.
Um ponto que pode ter influenciado isso é o fato de, tirando o Stacks, essas soluções não possuírem tokens nativos, ou seja, não terem o controle da oferta monetária do seu ecossistema. Isso impede, além da própria especulação de mercado, a criação de programas de incentivos como airdrops e liquidity mining (incentivos de liquidez), mecanismos que foram e ainda são fundamentais para o aumento da adoção de soluções em outros ecossistemas cripto.
Esse também é um dos motivos que nos fazem acreditar que diferentemente da Ethereum e de outros ecossistemas, não vemos as soluções construídas no topo do Bitcoin com potencial de valerem mais que a camada principal a longo prazo. As soluções mencionadas não capturam valor para si como protocolo, apenas geram valor aos seus contribuidores e usuários finais, além de ampliar o acesso e os casos de uso do Bitcoin.
Apesar disso, há uma perspectiva de crescimento consistente e sustentável a longo prazo desse setor de soluções. O mercado sempre buscará por mais escalabilidade, eficiência de capital e integração e ampliação de casos de usos, principalmente quando falamos da blockchain mais segura do mercado e a que mais se provou ao longo do tempo.
As dez notícias mais importantes da semana:
A Morning Jog irá receber um grant da Aptos Foundation para continuar desenvolvendo conteúdo informativo, independente e gratuito sobre o mercado cripto para seus assinantes;
Equipe de brasileiros venceu três prêmios no hackathon do Ethereum Argentina;
A SEC sofreu uma derrota no processo sobre ETF de bitcoin da Grayscale;
O Banco do Brasil e a Agrotoken realizaram uma parceria para integrar tokens lastreados em ativos do mundo real na Broto, plataforma digital do banco para o agronegócio;
A hashrate do bitcoin atingiu a máxima histórica de 55,62 trilhões de hashes;
O Twitter obteve uma licença que permite oferecer negociação de criptomoedas a clientes;
A Base deve receber 118 milhões de tokens OP em acordo de governança com a Optimism;
A Hashdex solicitou a abertura de um ETF spot de Bitcoin seguindo um caminho diferente das outras instituições;
O protocolo DeFi Balancer confirmou que sofreu um exploit de mais de US$ 900 mil após um aviso prévio de vulnerabilidade;
O Cosmos Hub passará por uma importante proposta de atualização de software para possibilitar mecanismos de staking líquido;
O Itaú e o BTG fizeram a primeira transferência interbancária do Drex.
Colocando o Bitcoin em perspectiva
Atualmente, a capitalização de mercado do Bitcoin gira em torno de US$ 500 bilhões. Esse valor colocaria o ativo como a décima maior empresa de capital aberto do mundo, mas ainda possuindo um valor cerca de seis vezes menor que a capitalização de mercado da Apple (US$ 3 trilhões).
Alguns outros valores para efeito de comparação:
Patrimônio de Elon Musk: US$ 250 bilhões;
Ouro negociado no mercado financeiro: US$ 2,5 trilhões;
Ouro físico existente no planeta: US$ 10 trilhões;
Mercado Imobiliário norte-americano: US$ 43 trilhões;
Mercado de ações global: US$ 112 trilhões;
Para 1 BTC valer US$ 1 milhão, ele precisa representar cerca de metade do mercado imobiliário norte-americano nos dias atuais.
Figura 6: A escala de valor do Bitcoin em perspectiva
Fonte: @ecoinometrics
Conteúdos Recomendados:
“Exploring Bitcoin Layer-2: How the Liquid and Lightning networks are building the payment and financial layers of Bitcoin” - Liquid Network
“Lightning 2020: A Toolkit for Heretical Web3 Developers” - Multicoin Capital
“State of Stacks Q2 2023” - Messari
“O que esperar para o halving do bitcoin” - Morning Jog
“Criamos a melhor planilha do mercado cripto” - Morning Jog
Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 25.465,00 / 7D %: -1,65%
ETH - US$ 1.607,00 / 7D %: -2,07%
USD - 4,93 BRL / 7D %: -2,11%
Cotação atualizada em: 01/09/2023 as 15:00
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