Como os ativos tokenizados podem impulsionar o mercado de criptoativos
Edição #398 - Fechamento semanal - 30 de setembro de 2023
A próxima barreira do setor cripto está próxima de ser quebrada. A popularização da introdução de ativos que existem apenas no mundo físico na blockchain irá gerar um fluxo de trilhões de dólares para dentro do mercado cripto, o que pode ser chave para que os criptoativos se tornem cada vez mais conhecidos e usados.
A tokenização de ativos do mundo real pode ser vista por muitos como uma visão desvirtuada da visão cripto anarquista, concebida lá no início com a criação do bitcoin. Isso porque essa categoria de ativos não leva consigo algumas das características centrais dos criptoativos, como a descentralização e o pseudo anonimato.
Mas, por outro lado, essa integração entre ativos do mundo real e a tecnologia blockchain pode levar o setor DeFi para o próximo nível. Com um influxo de capital do mercado tradicional no setor, métricas como o valor total travado (TVL) e o volume de negociação dos principais protocolos serão significativamente afetados, contribuindo para um aumento de liquidez disponível e a consolidação do setor a longo prazo.
Além disso, a tokenização é a ferramenta necessária para melhorar os modelos de negócios estabelecidos no mercado financeiro tradicional. Ela proporciona além de mais simplicidade e acessibilidade às principais classes de investimentos, uma maior eficiência de capital e mais liquidez para ativos que são tradicionalmente pouco líquidos. Essas melhorias relacionadas a criação, a transação e a gestão dos ativos tradicionais devem potencializar e muito a adoção em massa da tecnologia.
Nesta edição de fechamento semanal da Morning Jog, falaremos sobre o estado atual e a projeção futura da tokenização de ativos reais, quais são os benefícios trazidos aos usuários, o impacto que eles causam no setor DeFi e, também, as atuais barreiras que impedem sua adoção em ampla escala.
Um setor de trilhões de dólares
Apesar deste texto tratar mais sobre iniciativas em blockchains públicas, diversas empresas e governos já vem estudando, investindo e desenvolvendo iniciativas que utilizam blockchains privadas como infraestrutura, como por exemplo a Hyperledger Besu, do real digital (DREX). Algumas delas, inclusive, por serem Máquinas Virtuais da Ethereum (EVM), podem se comunicar e movimentar ativos para o ecossistema da Ethereum.
Relatórios e declarações de algumas das maiores e mais respeitadas instituições do mundo indicam que o mercado já projeta uma ampla tokenização da economia e a criação de um setor de trilhões de dólares. Para citar alguns, temos o Bank of America, a BlackRock e o Banco Central do Brasil. Já o Fórum Econômico Mundial estimou que até 10% por cento do PIB global será tokenizado até 2027, podendo potencialmente valer até 24 trilhões de dólares.
Figura 1 - Volume projetado do mercado tokenizado até 2027 (em trilhões de dólares)
Primeiro caso de uso e futuras possibilidades
Apesar da tokenização de ativos do mundo real ser um segmento ainda incipiente do mercado, seu primeiro caso de uso já é amplamente consolidado: a tokenização do dólar, através das stablecoins. Estas resgataram em cripto o conceito de lastro. Neste caso, existe um agente emissor custodiando um ativo e emitindo em contrapartida um token em blockchain equivalente a ele.
As duas maiores stablecoins, USDT e USDC, representam atualmente mais de US$ 108 bilhões em valor e podem ser consideradas a base do setor DeFi, beneficiando significativamente os protocolos em termos de TVL e volume de negociações. Além disso, por conta delas, os usuários não precisam mais converter seu capital para uma moeda fiduciária para se proteger da volatilidade do mercado e ainda conseguem rentabilizar esse capital dolarizado em estratégias no mercado DeFi, como ao utilizar o recurso como colateral para a tomada de empréstimos ou provendo liquidez em pools e recebendo taxas ao fazer isso. Agora, a próxima etapa é expandir esse conceito para outras classes de ativos do mercado financeiro tradicional.
Um dos motivos da diminuição do TVL do mercado DeFi neste bear market é o cenário macroeconômico atual, pouco atrativo para investimentos de alto risco. Para a maioria dos investidores, não compensa manter seus recursos em stablecoins de dólar se a rentabilidade paga pelos títulos do tesouro americano, o investimento mais seguro que existe, é superior que o possível rendimento proveniente do mercado DeFi. O que muitos usuários acabam fazendo nesse cenário é transformar suas stablecoins em moeda fiduciária para comprar títulos do tesouro e atingir uma maior rentabilidade.
Uma alternativa viável a isso seria a compra de títulos públicos tokenizados por meio de stablecoins. Apesar das taxas pagas por títulos do tesouro tokenizados serem inferiores às pagas ao se investir da forma tradicional (por conta das taxas do agente emissor da versão tokenizada), as estratégias possíveis de se executar com eles no mercado DeFi acabam compensando essa diferença de rentabilidade e tornando a versão tokenizada muitas das vezes mais atrativa.
Figura 2 - Comparativo de rentabilidade entre títulos do tesouro e títulos do tesouro tokenizados
* As rentabilidades acima são simbólicas e vão depender da taxa de juros americanas e a taxa cobrada pelo agente emissor da versão tokenizada do ativo
A lógica também vale para outras classes de ativos, como ações, fundos de investimentos, recebíveis, debêntures, commodities entre outros. Tudo isso resulta em uma maior eficiência de capital. Algumas dessas opções já são possíveis de serem realizadas através de protocolos como a Backed, por exemplo.
Figura 3 - Características da Backed
Mercado imobiliário é outro setor que abracará a tokenização
Também não podemos deixar de mencionar a tokenização do mercado imobiliário. Por ser um mercado que tradicionalmente tem pouca liquidez, o impacto que a tokenização traz no setor é significativo. A tokenização de propriedades inteiras em blockchain facilita muito a listagem do imóvel para locação pelo proprietário. Ele pode ter certeza de que não irá ocorrer problemas de pagamento com o inquilino, visto que o acordo é programado por contrato inteligente e inclui garantias, de forma que não é necessário depender da confiança que o aluguel será pago na data combinada. Se o pagamento não for feito, a garantia do inquilino (como ações ou títulos de renda fixa) pode ser automaticamente liquidada para arcar com a pendência de aluguel.
Além disso, a fracionalização de propriedades é uma ferramenta tanto de investimento quanto de captação de recursos por parte das construtoras. Ela traz mais acessibilidade a um investimento de ticket mínimo elevado e gera mais opções de personalização do que os fundos imobiliários, que já são uma ótima forma de ampliar a acessibilidade aos investimentos desse setor.
E por fim, essas propriedades tokenizadas (fracionadas ou inteiras) também podem ser utilizadas no mercado DeFi. Um exemplo seria colocar as cotas de uma propriedade como colateral para a tomada de um empréstimo (ou até mesmo da sua própria casa), podendo dar a ela uma nova utilidade, o que permitirá rentabilizar um capital que em teoria estava parado.
Esses pontos mencionados ainda não são utilizados (principalmente por problemas regulatórios, mas que devem ser resolvidos com o tempo). Mas, já são totalmente viáveis de serem implementados do ponto de vista tecnológico (ainda que não em grande escala, como veremos a seguir).
A barreira tecnológica
Apesar do grande avanço que vem ocorrendo nos últimos anos, o mercado de criptoativos ainda não está pronto para receber esse capital tokenizado em grande escala. Os principais pontos que impedem isso, além da questão da escalabilidade e interoperabilidade entre diferentes blockchains, incluem a experiência do usuário e a questão da privacidade envolvendo as práticas de KYC (identificação dos usuários).
Tecnologias como Account Abstraction, que torna os endereços de carteira dos usuários mais programáveis e personalizáveis, assim como as zeko-knowledge proofs, capazes de provar informações sem de fato fornecê-las a terceiros, estão sendo desenvolvendas rapidamente e serão essenciais para viabilizar esse processo de tokenização de ativos em escala global.
A ideia é que no futuro um usuário consiga, por exemplo, selecionar endereços confiáveis capazes de recuperar o acesso a sua carteira em caso de esquecimento das chaves privadas ou colocar um limite máximo de valor transacionado diariamente com o objetivo de evitar hacks. Além disso, o usuário também poderá provar para determinado protocolo que é maior de 18 anos, que não tem pendência com a justiça e nem dívidas a pagar. Tudo isso sem precisar revelar sua identidade fornecendo diversos dados pessoais.
A barreira regulatória
Também temos a barreira regulatória quando falamos da tokenização de ativos. A ausência de diretrizes claras e uniformes ainda cria incertezas legais, dificultando a adoção em larga escala e gerando preocupações sobre conformidade com as leis vigentes em várias jurisdições. Além disso, a falta de regulamentação apropriada pode aumentar os riscos de atividades fraudulentas e práticas questionáveis no espaço da tokenização de ativos. Portanto, a definição de um quadro regulatório sólido e globalmente aceito é essencial para promover a confiança dos investidores, facilitar a inovação e garantir a integridade dos mercados de tokenização de ativos do mundo real em blockchain.
Mas existem formas de contornar esse problema. O exemplo do protocolo Backed que trouxemos mais acima é interessante, pois mesmo se tratando de uma oferta de produtos norte-americanos (títulos do tesouro), a equipe responsável pelo projeto conseguiu um respaldo jurídico sólido (legislação suíça) sem necessariamente precisar da aprovação dos reguladores americanos - por outro lado, os produtos deles não são acessíveis a cidadãos americanos. De qualquer forma, o KYC é fundamental nesse tipo de caso para que não haja problemas futuros.
A tokenização vai elevar o setor DeFi para o próximo nível
A consolidação desse setor de ativos do mundo real tokenizados proporcionará que o setor DeFi atinja seu estágio final de maturação. Isso será evidente quando, por exemplo, o par de ativos da pool de maior volume negociado na Uniswap envolver ativos não cripto nativos, como, por exemplo, títulos do tesouro americano, ações da Apple ou Ouro. Quando isso ocorrer, teremos certeza que a infraestrutura do setor DeFi está madura. Esses ativos tradicionais só serão amplamente negociados em blockchains abertas e expandidos a outras estratégias do mercado DeFi se isso trouxer benefícios práticos aos usuários.
Aqui na viden.vc acreditamos que o setor de tokenização de ativos do mundo real é uma das principais narrativas para o próximo ciclo de mercado, sendo que a maior destrava de valor para o seu desenvolvimento é a clareza regulatória. Vale acompanhar de perto os próximos avanços do setor.
As dez notícias mais importantes da semana
A Celestia, uma solução modular de data availability, confirmou a existência e a função de seu token, além do percentual reservado para airdrop aos early adopters da solução;
A Vórtx QR Tokenizadora, que utiliza a tecnologia de tokenização para criar ativos digitais, lançou um fundo multimercados baseado em terras agrícolas;
O aplicativo do Yuan Digital (CBDC da China) integrou recargas pré-pagas de cartões Visa e Mastercard para turistas estrangeiros;
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras aprovou um requerimento para solicitar o sigilo bancário e fiscal de diversas corretoras de criptomoedas que operam no Brasil. Entre elas, estão a Binance, o Mercado Bitcoin, a Foxbit, a NovaDax, a Ripio, a Bitso, entre outras;
O governo brasileiro começou a utilizar blockchain na emissão da Carteira de Identidade Nacional nos estados de Goiás, Paraná e Rio de Janeiro;
A Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) anunciou que irá usar a blockchain para comprovar a autenticidade das suas próximas missões na Lua;
O Pudgy Penguins, uma coleção de NFTs, fechou um acordo de licenciamento e merchandising para vender brinquedos inspirados nos seus personagens em lojas físicas do Walmart;
A plataforma de análise de dados Nansen informou que um de seus fornecedores terceirizados foi comprometido, o que implicou em um vazamento de e-mails, hashes de senha e alguns endereços de seus usuários;
A Mixin Network, um serviço semelhante a um protocolo de segunda camada, projetado para tornar as transferências entre cadeias mais baratas e eficientes, perdeu cerca de US$ 200 milhões em um hack.
MakerDAO na vanguarda
A MakerDAO é um dos destaques do setor de tokenização de ativos do mundo real. Sua stablecoin descentralizada, a DAI, vem utilizando cada vez mais essa classe de ativos como colateral. Atualmente, eles já representam mais de 37% do colateral da stablecoin e são responsáveis por mais de 50% de sua receita total gerada.
Figura 4 - DAI: Ativos colaterais e receita provida por eles
O estado da tokenização de títulos do tesouro americanos
Os títulos americanos tokenizados tiveram um crescimento significativo desde o começo do ano e já correspondem a um montante de US$ 668 milhões. A quantia absoluta ainda é irrelevante levando em conta o valor total de mercado do setor, porém mantendo essa taxa de crescimento, os próximos anos tendem a ser bem positivos. Outro ponto interessante é que praticamente metade desse montante está sendo registrado na blockchain da Stellar.
Figura 5 - Estado da tokenização de títulos americanos
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Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 26.826,00 / 7D %: +0,47%
ETH - US$ 1.669,00 / 7D %: +4,41%
USD - 4,99 BRL / 7D %: -2,13%
Cotação atualizada em: 29/09/2023 às 12:30
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