0G Labs e a aposta de US$ 325 milhões na infraestrutura descentralizada de IA
Edição #1026 - Dia 11 de outubro de 2025
Enquanto a Microsoft anuncia US$ 80 bilhões em data centers dedicados à IA e Oracle fecha acordos de US$ 300 bilhões com a OpenAI, um grupo de projetos cripto tenta provar que o futuro da inteligência artificial não precisa ser centralizado. Entre os mais ousados está o 0G Labs, que em 22 de setembro lançou sua mainnet Aristotle com a promessa de transformar a IA em um “bem público”. Uma ambição que soa utópica tendo em vista que o token despencou 60% desde o lançamento.
O movimento não é exatamente novo. A narrativa de IA descentralizada (DeAI) ganhou tração nos últimos dois anos, impulsionada por preocupações legítimas sobre controle, viés algorítmico e propriedade de dados. Bittensor, o veterano do setor com seu token TAO e market cap de US$ 2,9 bilhões, já opera mais de 110 sub-redes especializadas desde 2021. SingularityNET e Fetch.ai completam o trio de líderes em um mercado que movimenta entre US$ 24 e US$ 27 bilhões, um número que seria mais impressionante se não estivéssemos falando de um setor onde a OpenAI sozinha recebeu US$ 1 bilhão da Microsoft em 2019 e nunca mais parou de crescer.
A diferença é que agora há dinheiro real entrando. Segundo a Tracxn, 138 das 247 empresas de IA descentralizada já receberam funding, com 22 alcançando a Série A. O 0G Labs, especificamente, levantou US$ 35 milhões em duas rodadas de equity, enquanto a 0G Foundation captou outros US$ 30 milhões através de vendas de AI Alignment Nodes (nodes que geram segurança da rede) e subscrição de tokens.
No total, são US$ 65 milhões antes do TGE (Token Generation Event) ou US$ 325 milhões se considerarmos os dados mais recentes de funding rounds. Para uma blockchain que promete resolver os problemas de computação, armazenamento e disponibilidade de dados para aplicações de IA, não é pouco. Mas será que é suficiente quando os hyperscalers estão jogando centenas de bilhões na mesa?
Quando três problemas viram uma solução (ou três problemas diferentes)
A arquitetura modular do 0G é, pelo menos no papel, elegante. A rede principal oferece três serviços principais que podem ser usados isoladamente ou em conjunto: 0G Compute para inferência e fine-tuning de modelos, 0G Storage para armazenamento distribuído de datasets e checkpoints, e 0G DA (Data Availability) para publicação verificável de dados. Tudo coordenado pela 0G Chain, uma Layer 1 compatível com EVM, com liquidação on-chain e um sistema de identidades .0G que permite que humanos e agentes de IA transacionem com nomes legíveis em vez de endereços hexadecimais.
Na teoria, isso resolve três gargalos fundamentais do DeAI: mover grandes volumes de dados de forma barata, executar modelos sob demanda e manter tempos de resposta competitivos. A promessa é que desenvolvedores possam escolher provedores de compute e storage baseados em preço e latência, trocar de fornecedor sem redesenhar arquitetura e ter garantia de reprodutibilidade através de recibos criptograficamente assinados. O testnet V3 Galileo processou mais de 650 milhões de transações e atingiu throughput (dados transmitidos por um sistema ou processo em um determinado período) de 50 GB/s, números que soam impressionantes até você lembrar que a rede consegue “apenas” 11 mil transações por segundo, o que é respeitável mas longe dos benchmarks de redes ultra-rápidas.
O ecossistema de lançamento incluiu mais de 100 parceiros: Google Cloud, Alibaba Cloud, Chainlink, Coinbase Wallet, Binance Wallet, MetaMask, Fireblocks, Figment. Uma lista que impressiona e levanta sobrancelhas ao mesmo tempo. Afinal, ter Google e Alibaba como validadores é exatamente o tipo de “descentralização” que faz os puristas do setor torcerem o nariz. Durante a testnet, o projeto atraiu mais de 100 validadores; no lançamento da mainnet, o stake inicial foi distribuído entre apenas 10 validadores ativos, um número que deve crescer, mas que por enquanto coloca em xeque o discurso de verdadeira descentralização.
O que torna o 0G interessante não é necessariamente a novidade tecnológica — storage descentralizado e compute markets já existem há anos — mas a coordenação. Poucos projetos no espaço DeAI expõem compute, storage e DA com monitoramento on-chain através dos três serviços. É um design “mix-and-match” que teoricamente permite adoção incremental. Desenvolvedores podem começar usando só storage, depois adicionar compute conforme necessário, sem estar presos a um stack verticalmente integrado. Na prática, isso significa menos lock-in e mais flexibilidade. Ou, na versão menos otimista, significa mais complexidade operacional e superfície de ataque para bugs.
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Token 0G: de US$ 7,31 para US$ 2,80 em duas semanas
O token 0G foi listado simultaneamente em 22 de setembro na Binance, Kraken, Upbit, HashKey, KuCoin, Gate.io, MEXC e outras exchanges, um esforço coordenado para garantir liquidez desde o primeiro dia. A Binance ainda ofereceu um airdrop via programa HODLer para quem fez stake de BNB entre 15 e 17 de setembro. Resultado: o token atingiu all-time high (ATH) de US$ 7,31 no dia seguinte ao lançamento e hoje (8 de outubro) negocia em torno de US$ 2,80, uma queda de 60% em menos de três semanas. Market cap atual: US$ 598 milhões. FDV (fully diluted valuation): US$ 2,54 bilhões, considerando o supply total de 1 bilhão de tokens.
O token serve para três propósitos principais: pagar por serviços (compute, storage e DA), pagar gas fees na 0G Chain e fazer staking para segurança da rede. Validadores fazem stake de 0G para participar do consenso e operar o pipeline de DA, enquanto delegadores podem alocar stake para validadores. As recompensas vêm de taxas de transação e emissões de bloco derivadas da alocação de ecossistema — emissões programadas que complementam as fees no início e depois declinam com o tempo. Um modelo que faz sentido se a rede realmente ganhar tração e o uso orgânico gerar receita suficiente para sustentar os validadores.
Sobre a performance do preço, analistas estão divididos. O argumento otimista: 0G é o primeiro “deAI OS” modular, resolve problemas reais de escala e custo, tem US$ 325 milhões de funding de investidores de tier-1, testnet comprovado e parcerias institucionais sólidas como a Flora Growth comprometendo US$ 401 milhões em treasury. O argumento pessimista: Fully Diluted Valuation (FDV) de US$ 30 bilhões a US$ 3 por token exige avaliação comparável a Solana, o mercado DeAI total vale US$ 27 bilhões e está em queda e o token sofreu com problemas de liquidez evidentes.
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Previsões variam de US$ 6,10 até US$ 100 em 2029, dependendo da adoção e performance do mercado cripto como um todo. A verdade é que qualquer previsão de preço em cripto é exercício de futurologia; o que importa é tração real. E aqui os dados são mistos: casos de uso aparecem (HAiO com 333 agentes de música AI como iNFTs, plataformas de agentes via SPACE ID, acesso privado de dados com Beacon Protocol), mas o volume de uso ainda é incipiente.
A questão central não é se o 0G consegue competir com a Bittensor, que tem 110 subnets ativas, mais de 500 mil TAOs em posse do Digital Currency Group e uma distribuição fair launch sem VCs, mas sim se há espaço para múltiplas camadas de infraestrutura DeAI coexistirem. Afinal, Microsoft, Alibaba e Iliad estão despejando bilhões em infraestrutura centralizada este ano. Greg Osuri, CEO da Akash Network, argumenta que sistemas descentralizados são a única forma dos EUA competirem com a China em IA sem criar pontos únicos de falha. Pode ser verdade. Mas também pode ser que o mercado simplesmente não ligue o suficiente para pagar um prêmio pela descentralização.
O teste real começa agora. A 0G Foundation opera um Ecosystem Growth Fund de US$ 88,88 milhões e um programa Guild on 0G de US$ 8,88 milhões focado em grants, créditos e suporte de integração para times construindo agentes, ferramentas de dados e integrações de serviços. A meta é a adoção mensurável com accounting verificável. Dezenas de projetos já foram lançados através desses programas, incluindo frameworks de agentes rodando inferência no 0G Compute, clientes de storage gerenciando datasets no 0G Storage e pipelines de dados publicando referências no 0G DA.
Nos próximos meses, três métricas vão importar: número de validadores ativos com stake distribuído (ainda longe do ideal), volume de jobs de compute sendo executados (dados não públicos) e storage under management crescendo (também opaco). Se esses números se moverem na direção certa, o 0G pode se consolidar como a principal infraestrutura do DeAI. Se não, será mais um projeto bem-financiado que prometeu resolver a centralização da IA, mas acabou criando apenas uma camada adicional de complexidade.
Por enquanto, fica a ironia: um projeto que quer democratizar IA levantou US$ 325 milhões de VCs, tem Google e Alibaba como validadores e viu seu token cair 60% em duas semanas. Mas, considerando que estamos falando de cripto, isso pode ser apenas uma terça-feira qualquer.
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