Explorando o Drex: entrevista exclusiva com Fabio Araujo
Edição #623 - Fechamento semanal - 22 de junho de 2024
Uma moeda digital emitida por um Banco Central de um país, ou seja, uma CBDC, é uma tendência crescente ao redor do mundo. Atualmente, mais de 130 países, que representam 98% do PIB global, estão desenvolvendo suas próprias CBDCs, demonstrando que a tecnologia blockchain está no mainstream não apenas de investidores e empresas, mas também dos governos.
Cada país adapta seu projeto às suas próprias necessidades internas e boa parte deles foca em criar um meio de pagamento mais escalável e eficaz. No Brasil, onde o Pix já cumpre essa função, a nossa CBDC, chamada Drex, está sendo desenvolvida com o objetivo de proporcionar muito mais que isso.
Inserindo uma camada de programabilidade na rede através dos contratos inteligentes, diversas possibilidades surgem. Tokenizando ativos do mundo real e criando transações condicionais, podemos integrar em um mesmo sistema diversos componentes do sistema financeiro e da economia.
Algumas das possibilidades incluem a compra de carros usados e o aluguel de imóveis, que podem ser muito mais seguros e eficientes, automatizando processos burocráticos e reduzindo a necessidade de confiança entre as partes envolvidas na negociação. Além disso, podemos mencionar a maior eficiência de recursos no sistema financeiro, como por exemplo com o uso de imóveis ou ações tokenizadas como garantia para a tomada de empréstimos, em minutos e sem a necessidade de avaliação de outros fatores como o score de crédito.
O Drex atualmente está em fase piloto, envolvendo grandes entidades como Microsoft, AWS, grandes bancos e fintechs nacionais, além de empresas Web3. A próxima fase de testes, que incluirá novas funcionalidades, começará em julho de 2024 e se estenderá até meados de 2025.
Em uma entrevista exclusiva para a Morning Jog, o coordenador do Drex no Banco Central do Brasil, Fabio Araujo, compartilhou mais detalhes sobre a infraestrutura do projeto, seu surgimento, as principais dificuldades encontradas e os desafios para o futuro. Nesta edição de fechamento semanal, traremos os principais destaques e insights extraídos desse bate-papo.
MORNING JOG: Qual foi a visão inicial para o desenvolvimento do Drex e como a experiência com o PIX e o crescimento do mercado DeFi influenciaram na mudança de foco do projeto?
FABIO ARAUJO: Nosso objetivo inicial com a moeda digital era focar em pagamentos, uma visão parecida com a que se pensava sobre as criptomoedas no início. No entanto, com o sucesso do PIX, percebemos que desenvolver uma nova rede para pagamentos não ajudaria a nossa economia.
Já antecipávamos a transição para uma economia baseada na tokenização antes mesmo do Drex e a expansão rápida do mercado DeFi em 2021 reforçou a nossa decisão de promover a tokenização em um ambiente regulado e seguro.
Foi quando a gente viu a flexibilidade com que contratos inteligentes podiam ser feitos. Você pode discutir se aqueles contratos eram úteis ou não, mas quando você está em um ambiente de inovação, tem muita coisa que as pessoas estão testando. De qualquer forma, isso deixou claro que esse era o caminho que a gente poderia seguir para trazer a tokenização para um ambiente regulado e seguro.
MJ: Sabemos que a possibilidade existe, mas o questionamento é sobre os planos do Banco Central implementar isso ou não. Vocês consideram tornar o Drex interoperável com outras blockchains abertas como a Ethereum? Se sim, quais são os principais desafios em relação a isso?
ARAUJO: A interoperabilidade do Drex está no roadmap desde o início. O mercado tradicional tem interesse em trabalhar com essas redes abertas e as startups Web3 querem ter uma parte de sua atuação dentro do mercado regulado. Então, é natural que a gente caminhe em direção a estabelecer essa interoperabilidade.
Vejo que os principais desafios estão relacionados aos aspectos tecnológicos e regulatórios. No aspecto regulatório, estamos formulando normas para prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs), mantendo a operação dentro dos limites da governança do Banco Central para assegurar a conformidade com as leis brasileiras e garantir a integridade das transações. Tecnologicamente, enfrentamos desafios com 'bridges' entre redes, que podem abrir vulnerabilidades para ataques durante as transações de ativos entre diferentes sistemas. Estas questões estão sendo abordadas através da regulamentação das VASPs".
MJ: Contornados esses desafios mencionados, você enxerga como possível a existência de uma pool de liquidez de Drex/ETH na Uniswap da rede Ethereum?
ARAUJO: Eu não vejo problema nenhum disso acontecer. O ponto é, todo mundo que estiver participando dessa pool precisará ter KYC (um conjunto de exigências que permite a identificação pessoal do usuário).
Comentário da MJ: Vale lembrar que a próxima versão da Uniswap, a Uni v4, terá uma recurso chamado "hooks", que garante ao criador da pool o poder de definir determinadas regras de uso para interação, como por exemplo a necessidade de estar em uma whitelist específica ou ter feito o processo de KYC através de um prestador de serviço compatível. Isso na prática permite a criação de pools de liquidez privadas em ambientes descentralizados, para, por exemplo, instituições financeiras reguladas e governos.
ARAUJO: Essa possibilidade não se limita a Uniswap, mas inclui todas as empresas que desenvolvem protocolos cripto e estejam dispostas a seguir os requisitos estabelecidos pelo Banco Central. Inclusive, a Aave participou do Lift Challenge. A gente fez uma pool pensando dentro do Drex, mas a também consideramos a possibilidade de fazê-la fora. Os mecanismos de whitelisting deles são bem interessantes.
MJ: Qual será o nível de transparência das transações registradas na blockchain do Drex? Tirando as transações que envolvem sigilo fiscal, mas, por exemplo, movimentações relacionadas aos impostos pagos pelos cidadãos e como eles são geridos. Um cidadão vai conseguir auditar essas informações diretamente na blockchain, em um explorador de blocos, por exemplo?
ARAUJO: Preferimos que o Drex não seja rastreável diretamente, mas que seja possível rastrear determinadas transações por meio de smart contracts. Dessa forma, evitamos que informações sensíveis como os gastos pessoais dos indivíduos se tornem públicos, alinhando-se com as normas de proteção de dados.
Se eu sou do Tesouro e vou liberar recursos para uma prefeitura gastar com saúde, ao invés de fazer uma transferência para ela, eu dou autorização para ela acessar e gastar os recursos travados em um determinado smart contract. Essa característica pode ser vista mais como um serviço prestado do que uma característica intrínseca da rede.
Nesse caso, o smart contract vai gerar todas as informações sobre como aqueles gastos foram feitos. Dessa forma, poderíamos trazer isso para um ambiente público, como através de um explorador de blocos ou um portal de transparência. Isso é completamente factível dentro da tecnologia que a gente tem.
MJ: Vimos nos noticiários que o Drex vai atrasar seu lançamento, inicialmente previsto para o final de 2024, e que o principal motivo disso é relacionado aos testes com soluções de privacidade. Quais foram de fato as dificuldades encontradas e como vocês pretendem contornar elas?
ARAUJO: As soluções de privacidade testadas utilizam a tecnologia de zero-knowledge-proofs (ZK). A geração das provas ZK têm um custo computacional elevado e levam muito tempo para registrar, inviabilizando transações corriqueiras. Então, se você quer fazer transação em segundos, você não vai conseguir, a gente não conseguiu fazer isso usando as soluções de privacidade que estão disponíveis". "As soluções testadas levam minutos para garantir que tudo ocorreu de forma segura".
Sem elas, temos o problema da pseudoanonimidade. Na pseudonimidade, eu tenho só uma carteira e uso aquela carteira para fazer todas as minhas movimentações, deixando rastros à medida que o tempo vai passando. Então, se torna possível identificar a carteira de uma pessoa a partir de uma transação sabidamente realizada por ela, o que permite a reconstrução de todo o seu histórico com aquela informação".
Na própria Web3 existem soluções que contornam isso, como os endereços de depósitos de corretoras centralizadas, que agregam saldos de diversos usuários em um mesmo lugar. Você só vê o dinheiro entrando na "conta ônibus" e as pessoas vão saindo e você não sabe de quem é. Para algumas aplicações, pode ser que isso seja suficiente.
Uma alternativa a isso é a utilização de um conjunto de diversas carteiras pelo mesmo usuário, com uma delas sendo escolhida aleatoriamente quando realizada uma nova transação. Nesse caso, eu sempre posso pegar depois de um certo período o saldo de todas essas carteiras, trazer para uma conta geral compartilhada, reorganizar tudo e distribuir aleatoriamente de novo.
Comentário da MJ: Esse é um movimento que também é parecido com o Tornado Cash ou outros protocolos de mixer de criptomoedas.
MJ: Em relação ao outro projeto estatal de blockchain que temos, a Rede Blockchain Brasil (RBB), o Sr. pode nos explicar um pouco sobre como ela se relaciona com o Drex e porque esses dois projetos não são um só?
ARAUJO: Eu acho que vai ser muito difícil ter só uma blockchain que tenha todas as informações por uma questão de escalabilidade... mesmo na Ethereum você tem várias layers, então você pode pensar que dentro do Drex a gente vai precisar de vários layers para dar escalabilidade só para tratar de assuntos financeiros".
Ambas as redes utilizam da infraestrutura da Hyperledger Besu e quando uma delas precisar de alguma informação da outra, a gente vai ter que usar canais para validar a informação. Eu acho que a gente vai caminhar nessa direção.
No final desse jogo todo, a gente vai ter ou uma interoperabilidade muito boa ou uma escalabilidade muito boa, que é o que a gente não tem hoje ainda. Qualquer uma das duas soluções resolve o problema. Se a gente tiver escalabilidade dentro de uma rede só, aí tudo vai migrar para uma rede só, se a gente tiver interoperabilidade transparente, mantemos dessa forma.
O problema dos bancos de dados que a gente tem hoje é a fragmentação da informação. Eu não consigo comunicar as informações entre eles por questões de interesse comercial e por questões tecnológicas. Então, a gente está tentando construir para minimizar esses problemas, essas fricções.
MJ: Sabemos que o PIX foi um super sucesso, sua adoção foi exponencial nos primeiros meses e no curto prazo ele já era amplamente adotado pela população brasileira. O Sr. enxerga que o DREX possui esse mesmo potencial ou sua adoção deve ser mais lenta?
ARAUJO: A primeira diferença fundamental entre o Pix e o Drex é que o Pix é um produto em si. Na hora que ele saiu, ele já estava prestando um serviço. A plataforma Drex é uma plataforma, os serviços não são feitos pelo Drex, os serviços são feitos pelas instituições financeiras, startups e fintechs, através dos smart contracts.
Então a gente está trabalhando para amadurecer a plataforma Drex e os serviços prestados através dele ao mesmo tempo, para que quando ele seja lançado a gente já tenha um leque de produtos para a população acessar. Porque se a gente desenvolver só a plataforma, ia ser como abrir um supermercado e não ter produtos nas prateleiras. Então, é um cenário diferente. E por isso a gente está fazendo um approach também diferente, envolvendo o mercado desde o início, discutindo tudo, amadurecendo a plataforma e amadurecendo os casos de uso em paralelo.
Esse foi apenas um resumo com os principais pontos tratados na entrevista de quase uma hora de duração que realizamos com Fabio Araujo, coordenador do Drex no Banco Central do Brasil. Para ouvir a entrevista na íntegra, fique de olho nas próximas edições do Podcast da Morning Jog!
As notícias mais importantes da semana
A Consensys anunciou que a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) está encerrando sua investigação sobre a Ethereum;
A zkSync e a LayerZero distribuíram o airdrop de seus tokens de governança. A EigenLayer liberou o claim da segunda parte da fase um do seu airdrop;
Um estudo recente do Banco de Compensações Internacionais (BIS) apontou que 94% dos bancos centrais avaliam a emissão de moedas digitais próprias, as CBDCs;
A fintech Parfin anunciou a blockchain Rayls, que substitui a antiga Parchain, uma segunda camada da Ethereum que pretende ter compatibilidade com Drex, o real digital;
Bilionários do setor de criptoativos e aliados criaram um fundo de US$160 milhões para apoiar os candidatos nos EUA que favorecem uma regulamentação mais branda para a indústria;
O projeto NFT Doodles migrará sua plataforma de criação de avatares "Stoodio" da Flow para a Base;
A Fox Corporation, empresa de mídia por trás da Fox News, Fox Sports e Fox Entertainment, anunciou a adesão da marca de mídia TIME como seu primeiro parceiro de publicação externa no seu protocolo Verify, construído na blockchain Polygon;
A Deutsche Telekom, proprietária da T-Mobile, iniciará em breve a mineração de Bitcoin.
A adoção das CBDCs ao redor do mundo
Dezenove países do G20 estão avançados no desenvolvimento de suas CBDCs;
Bahamas, Jamaica e Nigéria já implementaram oficialmente suas próprias CBDCs;
Existem 36 projetos piloto de CBDC em todo o mundo, incluindo a União Europeia, o Brasil e todos os outros membros dos BRICS;
O projeto do yuan digital na China é o mais avançado globalmente, com mais de 260 milhões de carteiras digitais já ativas em 25 cidades.
Fonte: https://www.atlanticcouncil.org/cbdctracker/
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Fechamento semanal do mercado:
BTC - US$ 64.046,00 / 7D %: -2,21%
ETH - US$ 3.515,00 / 7D %: +3,93%
USD - 5,45 BRL / 7D %: +0,01%
Cotação atualizada em: 21/06/2024 às 16:15
Sobre o Morning Jog
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