O colapso da Mantra e o abalo nas fundações dos Ativos do Mundo Real (RWA)
Edição #879 - Dia 19 de abril de 2025
Sábado, 13 de abril de 2025. Em algum lugar do mundo, enquanto investidores aproveitavam o fim de semana para descansar e tentavam resistir à tentação de checar o preço do $OM, alguém apertava o botão vermelho. Dez horas depois, mais de 94% do valor de mercado havia evaporado, o que naquele momento representava cerca de US$ 5,4 bilhões. Assim, essa quantia virou pó e um dos projetos mais “institucionais” de cripto se tornava o novo estudo de caso de como não se constrói uma blockchain para ativos do mundo real.
A cena é conhecida: criam uma narrativa tokenizada, o valor do token sobe, o token gera hype na comunidade crypto e, por fim, o token entra em colapso. Mas no caso da Mantra foi diferente. Ela não era uma memecoin com nome de cachorro ou um projeto DeFi anônimo rodando numa rede de segunda camada aleatória. Esse protocolo era, ou pelo menos dizia ser, uma blockchain de primeira camada construída para servir de infraestrutura institucional para a tokenização de ativos reais (RWAs).
E tinha mais: o projeto tinha sede nos Emirados Árabes, parceria com a DAMAC (uma das maiores incorporadoras do Golfo), presença em fóruns regulatórios e um discurso alinhado com as exigências de compliance de bancos suíços. O colapso, portanto, não atingiu apenas a comunidade de holders do token $OM. Ele estremeceu a fundação de uma das narrativas mais promissoras (e vendidas) do atual ciclo cripto: os RWAs.
Quando o token cai, a narrativa rui junto
O gráfico é simples e explica de forma didática o que ocorreu: o token da Mantra caiu de US$ 6,30 para US$ 0,51 em menos de meio dia. O efeito foi imediato. Plataformas como Binance e OKX começaram a liquidar posições de investidores que usavam $OM como colateral. A espiral de vendas se retroalimentou e virou uma cascata de liquidações. Segundo dados on-chain, mais de US$ 70 milhões foram varridos por essa avalanche. Isso sem contar o prejuízo de mercado para quem segurava o token (ou acreditava na história).
Até aí, uma tragédia cripto como tantas outras. Mas a diferença começa no que sustentava esse castelo. Antes da queda, o token OM ostentava um market cap de quase US$ 6 bilhões, o suficiente para se posicionar no top 50 do CoinMarketCap. O problema? Seu valor total travado (TVL) em protocolos DeFi era de apenas US$ 4,2 milhões. A discrepância era tão absurda que parecia piada. Mas estava lá, de forma transparente, em dados públicos. A Mantra estava vendendo bilhões em narrativa e entregando centavos em tração.
RWAs: o novo castelo de areia?
Se o DeFi é visto por instituições como um faroeste, os RWAs vinham sendo o “subúrbio de luxo” da Web3. Um ambiente que prometia trazer para a blockchain aquilo que o investidor tradicional já conhece: crédito privado, recebíveis, imóveis, precatórios, títulos públicos. E claro, tudo isso com liquidez, transparência, auditabilidade on-chain, e menor custo de intermediação.
BlackRock, Franklin Templeton, KKR, JPMorgan e uma fila crescente de gestores vinham sinalizando que a tokenização do mundo real era o caminho mais viável para a adoção institucional dos criptoativos. O setor explodiu em whitepapers, provas de conceito e experimentos regulados. A ideia era clara: se o DeFi selvagem assustava o investidor tradicional, o RWA domesticado poderia ser a ponte ideal.
E então, veio a Mantra. Com estética sóbria, discurso elegante, e conexões relevantes. O tipo de projeto que você não veria num grupo do Telegram, mas sim num evento em Abu Dhabi.
Até que o castelo ruiu.
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Anatomia de uma implosão
A cronologia do desastre já entrou para os anais do cripto-caos. Aqui vai um resumo, caso você tenha perdido esse episódio:
- Nos dias que antecederam o colapso, 17 carteiras despejaram 43,6 milhões de tokens OM em exchanges, segundo dados da Arkham Intelligence;
- Um endereço, possivelmente ligado ao time da Mantra, enviou 3,9 milhões de OM para a OKX poucas horas antes da queda;
- O fundador da Reef Finance e outros usuários influentes teriam buscado empréstimos colateralizados em OM um pouco antes da liquidação em massa;
- A equipe da Mantra passou a alegar “liquidações irresponsáveis” por parte de exchanges centralizadas. “O crash foi desencadeado por fechamentos forçados imprudentes iniciados por bolsas centralizadas em titulares de contas OM”, disse John Patrick Mullin, cofundador da Mantra.
- Enquanto isso, as corretoras davam um visão bem diferente. A Binance apontava ações coordenadas de dumping on-chain, o mesmo que a OKX, com seu CEO se manifestando publicamente sobre o assunto. “este é um grande escândalo para todo o setor de criptografia”, disse Star Xu, CEO da OKX.
Mas o enredo ganha contornos ainda mais problemáticos quando se analisa a estrutura do projeto. Isso porque o problema estava no código. E na governança. E na oferta. E…
O colapso da Mantra não foi causado apenas por liquidez apertada ou por um pânico no mercado. Foi o resultado de problemas estruturais profundos, visíveis muito antes do primeiro candle vermelho. Apontaremos alguns abaixo:
1. Concentração extrema de tokens
Cerca de 77% da oferta total de OM estava em uma única carteira. Mullin, CEO do projeto, chegou a dizer que eram “tokens fictícios para rastreamento cross-chain”. Mas o mercado não comprou a explicação. Em um ambiente assim, qualquer movimento de venda cria um efeito dominó. Não há mercado secundário que aguente.
2. Tokenomics inflacionário
Em outubro de 2024, a Mantra dobrou a oferta total de OM (de 888 milhões para 1,77 bilhão) e abandonou seu modelo de suprimento limitado. Para piorar, introduziu uma inflação anual de 8%, praticamente zombando do conceito de reserva de valor que a cripto defende.
3. TVL irrelevante
Com US$ 4,2 milhões em TVL, a Mantra tinha menos valor travado que farms de meme-tokens da Blast. A discrepância entre “valuation” e “valor real on-chain” era gritante — e a queda revelou isso de forma brutal.
4. Governança opaca
Em abril de 2023, um tribunal de Hong Kong havia exigido que membros da DAO da Mantra apresentassem documentos financeiros, após alegações de má gestão e saques indevidos. O caso foi “resolvido amigavelmente”, segundo o time. Mas as dúvidas nunca sumiram.
Parcerias sob risco. Narrativas sob ataque.
O colapso da Mantra não é só um problema para quem comprou o token no topo. Ele é um sinal de alerta para toda a indústria de RWAs, e especialmente para as iniciativas que buscam institucionalização.
A parceria de US$ 1 bilhão com a DAMAC, voltada para tokenização imobiliária, agora está sob risco. E o envolvimento da Mantra nos debates regulatórios dos Emirados Árabes, onde se posicionava como exemplo de tokenização legal e transparente, pode não sobreviver ao escândalo.
Isso levanta inúmeras outras perguntas em projetos do setor. Por exemplo: quantos outros projetos de RWA têm problemas semelhantes de concentração de tokens? E os valores de mercado refletem genuinamente a adoção na cadeia ou são apenas um dado especulativo?
O que isso diz sobre os RWAs?
A queda da Mantra expõe aquilo que o mercado evitava discutir: muitos projetos de RWA ainda são alimentados mais por storytelling do que por entrega real. Isso fez uma cruel lógica do mercado cripto se repetir. Projetos que seguem um roteiro já conhecido:
- Valor de mercado inflado por promessas;
- Governança centralizada;
- Narrativa de compliance mascarando práticas típicas de projetos especulativos;
- Volume de negociação artificial e liquidez concentrada.
Se o projeto que dizia ser o mais “sério” e “regulado” implode desse jeito... o que dizer dos outros?
E o que vem agora?
A crise da Mantra marca um divisor de águas. Os RWAs não vão desaparecer. Mas a régua vai precisar subir. Se antes bastava dizer “vamos tokenizar ativos reais” para atrair fundo e listagem, agora será preciso*provar que existe produto funcionando, liquidez on-chain real, modelo econômico sustentável e governança transparente. O caminho da institucionalização exigirá medidas duras:
- Distribuição de tokens audível e rastreável;
- Listagens mais criteriosas;
- Circuit breakers para evitar flash crashes;
- Relação clara entre market cap e uso real.
Mantra marca o fim da inocência nos projetos de RWA
O colapso da Mantra é, no mínimo, um choque de realidade. Ele desmonta a ideia de que projetos regulados e parcerias com grandes nomes bastam para garantir estabilidade. Mostra que não existe atalho para adoção institucional e que compliance sem fundamento é só mais uma narrativa bonita para alimentar bolhas.
A tokenização de ativos reais continua sendo um caminho promissor. Mas como toda promessa na cripto, ela precisa agora passar por um teste de maturidade. E talvez, daqui a alguns ciclos, a queda da Mantra seja lembrada não como o fim do setor, mas como o começo de sua profissionalização.
Ou, claro, como só mais um colapso que a gente vai usar de meme daqui a seis meses.
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