Runes sobrevive em estado vegetativo no ecossistema Bitcoin
Edição #961 - Dia 26 de julho de 2025
Os números são implacáveis. De 753 mil transações diárias em 23 de abril de 2024 — representando 81% de toda atividade na blockchain do Bitcoin — para menos de 100 mil transações lutando por relevância em dezembro do mesmo ano. Em apenas oito meses, o protocolo Runes viveu o ciclo completo de hype, euforia e abandono que caracteriza tantas inovações cripto. Hoje, quinze meses após seu lançamento sincronizado com o halving do Bitcoin, Runes existe em um limbo peculiar: tecnicamente vivo, comercialmente moribundo, mas surpreendentemente resiliente em desenvolvimento.
A história começa com uma bonança para os mineradores. No dia do lançamento, blocos rendiam até 22 BTC contra os habituais 7 BTC pré-halving, com taxas de transação chegando a representar 75% da receita total dos mineradores — um preview do que a rede Bitcoin poderia ser décadas no futuro, quando subsídios de bloco desaparecerem. Mineradores coletaram US$ 107.8 milhões em um único dia, com blocos individuais gerando mais de US$ 2 milhões em taxas. Marathon Digital, Riot, Core Scientific, todos celebraram o que parecia ser a solução definitiva para o problema pós-halving.
Mas a festa durou pouco. Em maio de 2024, o número de daily etchings (processo que permite inscrever dados, como imagens, textos ou códigos diretamente em satoshis ) já havia caído 99%, de 14,7 mil no pico para míseros 157. As taxas de transação despencaram de dezenas de milhares de dólares para US$ 3,8 mil. Hoje, mineradores ganham menos de 2 BTC combinados de transações Runes em seis dias, o que antes faziam em minutos. A tecnologia que prometia sustentar a segurança do Bitcoin através de taxas significativas entregou apenas 2.513 BTC (cerca de US$ 163 milhões) em taxas totais nos primeiros dois meses, depois praticamente evaporou.
Por que programar no Bitcoin é um pesadelo (e por que isso importa)
Para entender o fracasso (e a persistência) de Runes, é crucial compreender as limitações brutais de construir no Bitcoin. Bitcoin Script é propositalmente não-Turing complete (ou seja, tem limitações deliberadas no que pode ser programado nela), uma decisão de design que prioriza segurança sobre funcionalidade. Sem loops, sem recursão, sem contratos inteligentes complexos. É uma linguagem stack-based inspirada em Forth dos anos 60, com menos de 255 opcodes (comando de baixo nível que diz o que a máquina pode fazer), muitos desabilitados por questões de segurança.
O famigerado OP_RETURN, única forma de adicionar dados arbitrários em transações, está limitado a 80 bytes. Para contexto, este parágrafo tem mais de 400 bytes. Desenvolvedores precisam ser criativos ao extremo para fazer qualquer coisa minimamente complexa funcionar. O modelo UTXO adiciona outra camada de complexidade: sem estado global, sem contas, apenas "moedas" não gastas que precisam ser destruídas e recriadas a cada transação. Há, no entanto, uma pequena luz no fim do túnel: o Bitcoin Core aprovou o aumento do limite de 80 bytes para até 4 MB, o que, a partir de outubro deste ano, pode abrir novas possibilidades para aplicações mais robustas diretamente na camada base.
Casey Rodarmor, criador de Runes, conhecia essas limitações intimamente. Como ex-desenvolvedor Bitcoin Core, ele apostou que simplicidade extrema seria uma vantagem, não um bug. Por isso, Runes abraça o modelo UTXO, usa OP_RETURN eficientemente, e promete fazer uma coisa bem: criar e transferir tokens fungíveis. Mas em um mundo onde Ethereum processa contratos que controlam bilhões em DeFi e Solana roda jogos on-chain, "simplicidade" começou a soar como "limitação".
A ironia é que essas mesmas limitações tornam Bitcoin extremamente seguro e resistente. Como explica um desenvolvedor: "Script é intencionalmente simples, uma escolha de design feita para priorizar segurança". Mas segurança não atrai desenvolvedores jovens acostumados com a expressividade de Solidity (das redes EVM, como Ethereum) ou Rust (de redes como a Solana). E sem desenvolvedores, não há aplicações. Sem aplicações, não há usuários. Sem usuários, não há taxas para mineradores.
A guerra dos protocolos: quando todos querem ser o "ERC-20 do Bitcoin"
Runes não está sozinho em sua ambição de trazer tokens ao Bitcoin. A competição é feroz e fragmentada. BRC-20 mantém dominância em liquidez e adoção, apesar de criar "UTXOs lixo" que Runes prometeu eliminar. ARC-20, do protocolo Atomicals, toma abordagem diferente com "colored coins", cada token backed por exatamente um satoshi. SRC-20 foca em armazenamento imutável, enquanto CBRC-20 promete reduzir custos de inscrição.
Mais ambicioso ainda, BRC-100 tenta adicionar computação e state machine ao Bitcoin, essencialmente tentando transformar Bitcoin em Ethereum. Cada protocolo tem seus defensores, sua pequena comunidade de desenvolvedores, seus tokens de teste. Mas a fragmentação mata liquidez e liquidez é tudo em cripto. Um desenvolvedor poderia resumir a situação assim: "É como ter dez padrões de tomada diferentes em um país: tecnicamente todas funcionam, mas na prática é um pesadelo."
Taproot Assets da Lightning Labs e RGB representam abordagens mais sofisticadas, focando em stablecoins e DeFi complexo através de validação client-side. Mas complexidade tem preço: maior barreira de entrada, menos adoção inicial, ciclos de desenvolvimento mais longos.
Paradoxalmente, foi a simplicidade "limitada" de Runes que manteve desenvolvedores interessados. Enquanto outros protocolos lutam com especificações complexas e implementações bugadas, Runes "apenas funciona" para seu caso de uso específico. O anúncio de AMMs nativos em março de 2025, usando "agents" para permitir market making trustless, representa evolução significativa sem comprometer o design minimalista.
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O que evoluiu, o que morreu, o que teima em sobreviver
Um ano depois, o ecossistema Runes é irreconhecível. DOG•GO•TO•THE•MOON ainda lidera com um volume médio diário de US$ 25 milhões, mas isso é uma sombra perto do que atingiu no pico. A capitalização total do mercado encolheu de quase US$1 bilhão para US$400 milhões. Volume diário médio caiu 93%. Mais revelador: a dominância de transações despencou de 68% para meros 5% do total do Bitcoin.
O funding evaporou. Após os US$ 3 milhões do Runes Liquid Fund pré-lançamento, 2025 viu apenas investimentos esporádicos em infraestrutura adjacente. VCs migraram para IA, stablecoins, L2s estabelecidas ou qualquer coisa menos "Bitcoin tokens". A mensagem do mercado foi clara: o experimento falhou.
Mas aqui está o enigma: o desenvolvimento continua acelerando. Proto-Runes promete contratos inteligentes através de indexadores customizados. GAMETY reivindica ser a primeira plataforma gaming nativa. Wallets como Leather, Xverse e Unisat adicionaram suporte robusto. Liquidium permite empréstimos P2P usando Runes como colateral.
Casey Rodarmor, longe de abandonar o projeto, propôs melhorias como OPCHECKTEMPLATEVERIFY e SIGHASH_GROUP que resolveriam problemas críticos de open-minting e facilitariam integração com a Lightning Network. AMMs nativos prometem finalmente trazer um DeFi real ao protocolo. A saída da OKX do mercado Runes em junho forçou migração para DEXs descentralizadas, o que é doloroso no curto prazo, mas potencialmente saudável para o processo de descentralização.
O que realmente evoluiu foi a compreensão do que Runes pode e não pode ser. Não será a "Ethereum do Bitcoin" ou a "Solana do Bitcoin". Mas pode ser exatamente o que Rodarmor previu: um protocolo simples e eficiente para os "99.9% de tokens que são scams e memes", direcionando taxas significativas para mineradores enquanto mantém o Bitcoin sendo o Bitcoin.
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Próximos 12 meses: consolidação ou cova
As perspectivas para Runes em 2025-2026 dependem de três fatores críticos convergindo:
1. OP_CAT e o renascimento script: A possível reativação do OP_CAT, desabilitado desde os primeiros dias do Bitcoin, transformaria radicalmente o que é possível construir. Covenants, bridges trustless, smart contracts básicos, tudo se tornaria viável. Runes, com sua arquitetura UTXO-nativa, estaria perfeitamente posicionado para capitalizar. Mas OP_CAT é controverso e o ecossistema do Bitcoin se move devagar.
2. Consolidação de padrões: O mercado não suporta dez padrões competindo indefinidamente. Historicamente, um vence (ERC-20 no Ethereum), outro sobrevive em nicho (ERC-721) e o resto morre. Se Runes conseguir se estabelecer como "o padrão para memecoins e tokens simples" enquanto outros focam em casos de uso mais complexos, há caminho para coexistência.
3. Killer app improvável: Todo protocolo bem-sucedido teve seu momento "CryptoKitties", ou seja, a aplicação que ninguém previu mas todos queriam usar. Para Runes, paradoxalmente, pode ser exatamente o que Rodarmor previu: uma memecoin viral (como DOG GO TO THE MOON) que capture a imaginação popular e traga milhões ao Bitcoin. Ou talvez algo mais prosaico: stablecoins para remessas, tokens de fidelidade que realmente funcionam, micropagamentos via Lightning.
4. Mais espaço nos blocos: A partir de outubro de 2025, com o lançamento do Bitcoin Core v30, o limite do campo OP_RETURN — usado para inserir dados em transações — será ampliado de 80 bytes para até 4 MB. A mudança abre espaço para aplicações mais complexas diretamente na camada base do Bitcoin, como registros, identidade digital e dados imutáveis on-chain. A atualização marca um passo importante na evolução da utilidade do protocolo.
Com o Bitcoin potencialmente atingindo valores recordes em 2025, a atenção e o capital fluirão para o ativo principal, não para experimentos em sua periferia. Mas há precedente para ressurreição. Ordinals foi declarado morto múltiplas vezes antes de se estabelecer como parte permanente do ecossistema Bitcoin. A diferença? Ordinals trouxe algo genuinamente novo: arte e colecionáveis on-chain. Runes precisa encontrar seu próprio caso de uso único, não apenas ser "BRC-20 mais eficiente".
A pergunta final não é técnica, mas filosófica: Bitcoin precisa de tokens fungíveis nativos? Para maximalistas, a resposta é um enfático não. Bitcoin é dinheiro, não plataforma. Para Rodarmor e para os builders que persistem, a resposta é pragmática: pessoas vão criar tokens de qualquer maneira, melhor que seja eficiente e que as taxas beneficiem a segurança da rede.
Um ano depois, Runes sobrevive em seu limbo peculiar. Não está morto, o desenvolvimento continua, a infraestrutura cresce, os volumes persistem mesmo que diminuídos. Mas também não está exatamente vivo, já que não há momentum, funding significativo ou adoção mainstream. É o Schrödinger's Protocol: simultaneamente sucesso técnico e fracasso comercial, prova de conceito e advertência, futuro do Bitcoin e relíquia de 2024.
Casey Rodarmor conseguiu exatamente o que queria: criou um local eficiente para pessoas criarem suas "shitcoins" no Bitcoin. O que ele talvez não tenha previsto é que eficiência sozinha não é suficiente. Em cripto, narrativa supera tecnologia, comunidade supera código, e memes (ironicamente) superam utilidade. Runes tem a tecnologia. O que falta é uma razão para existir que ressoe além dos engenheiros que admiram sua elegância técnica.
Os próximos doze meses determinarão se Runes se junta ao cemitério de protocolos Bitcoin bem-intencionados ou se encontra seu nicho improvável no ecossistema. As chances não são favoráveis. Mas em cripto, as melhores histórias frequentemente começam com "todo mundo achava que estava morto, mas"...
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