InfoFi e quando o cripto Twitter virou um negócio
Edição #919 - Dia 7 de junho de 2025
Enquanto você dormia, alguém descobriu como transformar aquela thread sobre a próxima moeda de cachorro em dinheiro de verdade. Não estamos falando de pump and dump ou de virar influencer. O setor InfoFi, abreviação para Information Finance, já movimenta US$ 649 milhões e promete fazer com que cada opinião quente sobre cripto valha alguns trocados. É a financeirização definitiva do scroll infinito, em que até seu comentário sarcástico sobre as taxas da Ethereum pode render dividendos.
O conceito é simples na teoria e complexo na prática: usar inteligência artificial para quantificar o valor de posts em redes sociais e recompensar criadores de conteúdo com tokens. Kaito, a líder do setor com uma receita anualizada de US$ 33 milhões, já distribui milhões para o que eles chamam carinhosamente de "yappers", nada mais do que pessoas que conseguem transformar insights sobre cripto em dinheiro. É como se o algoritmo do X finalmente decidisse pagar pelo entretenimento que você fornece gratuitamente há anos.
A premissa fundamental do InfoFi reconhece que, numa era onde a IA pode gerar conteúdo infinito, a verdadeira escassez não está na informação em si, mas na capacidade de filtrar sinais genuínos em meio ao ruído ensurdecedor. Com a produção de conteúdo se tornando cada vez mais barata, a atenção humana qualificada emerge como o ativo mais valioso e o InfoFi quer precificá-la.
Os líderes do mercado de atenção tokenizada
O ecossistema dos criadores tokenizados
Fundada pelo ex-gestor de portfólio da Citadel, Yu Hu, e apoiada por Sequoia Capital China, Dragonfly e Spartan Group com US$ 10,8 milhões em funding, a Kaito construiu um império baseado em uma premissa audaciosa: e se pudéssemos criar um mercado justo para a atenção humana? A plataforma oferece dois produtos principais que já atingiram o chamado "product-market fit": análise de sentimento para traders institucionais (por modestos US$ 833 mensais) e serviços de marketing B2B (business to business) para projetos cripto que preferem pagar criadores de conteúdo orgânico em vez de influencers com seguidores comprados.
O sistema funciona através de "yaps": pontos atribuídos por algoritmos que supostamente conseguem distinguir entre análise genuína e spam sofisticado. Com parcerias incluindo Story, EigenLayer, Berachain, dYdX e dezenas de outros projetos proeminentes, Kaito já distribuiu US$ 72,3 milhões para criadores, excluindo o seu próprio airdrop. O token KAITO, negociado a uma relação preço/venda de 15,8 vezes com market cap circulante de US$ 502 milhões, sugere que o mercado está comprando a narrativa, especialmente considerando que empresas SaaS (Software as a Service) tradicionais costumam ser avaliadas em cerca de 20 vezes.
A plataforma não para de crescer. A Kaito indexa automaticamente milhares de fontes premium Web3, incluindo protocolos DeFi, papers de pesquisa blockchain e fóruns comunitários que são praticamente inacessíveis aos mecanismos de busca tradicionais. É um Google especializado em cripto, mas que paga você para alimentá-lo com dados de qualidade.
Por sua vez, a Cookie DAO entrou na disputa em 2024 com uma estratégia diferente: copiar tudo, mas trocar os nomes. Em vez de yaps, você ganha snaps. Em vez de yappers, são snappers. A inovação é tão sutil que chega a ser genial. Mas não se engane pela aparente falta de originalidade, a Cookie levantou US$ 5,8 milhões da SkyVision Capital, Animoca Brands e Spartan Group. Também já construiu uma rede de mais de 20 mil influencers com um alcance combinado de 400 milhões de seguidores no Cripto Twitter.
Com uma capitalização de mercado de aproximadamente US$ 100 milhões (um quinto da Kaito), Cookie representa ou uma oportunidade de investimento ou prova de que o mercado ainda tem algum senso de proporção. O token COOKIE disparou 21% em um único dia após o lançamento da primeira fase do InfoFi, incluindo o cookie.fun v1.0 alpha e Cookie Snaps. O projeto promete descentralizar como campanhas de recompensa e airdrop são executadas, dando mais poder às comunidades reais.
A Elfa AI completa o trio principal, posicionando-se como o gateway definitivo entre o investidor de varejo e milhares de projetos cripto. A plataforma promete curar e automatizar a forma como você descobre "alpha" de mais de 10 mil insiders da indústria, influenciadores e traders. Com funcionalidades que incluem timeline inteligente personalizada, descoberta de novos tokens antes do mainstream e trading direto na plataforma, a Elfa quer ser o terminal Bloomberg do investidor cripto de varejo.
A sofisticação tecnológica por trás dessas plataformas impressiona tanto quanto preocupa. A Kaito emprega modelos de linguagem avançados para realizar análise de conteúdo sofisticada, extração de insights significativos e filtragem de ruído irrelevante. O sistema classifica informações baseadas em relevância através de um grafo de conhecimento proprietário que mapeia relacionamentos entre projetos, pessoas e conceitos no ecossistema cripto.
Os desafios de monetizar o caos
A realidade, como sempre, é menos romântica que o whitepaper. Usuários já estão abertamente discutindo como otimizar recompensas de tokens KAITO, com grandes contas publicando guias sobre "como maximizar seus yaps". Um influencer chegou a ser brutalmente honesto: "Quando KAITO lançar, se você nunca ganhou um yap, vai sentir que sua conta foi inútil. Então tweete, faça X, Yap, seja replyguy, faça o que for preciso para ganhar yaps".
O modelo econômico do InfoFi depende fortemente de incentivos em token. Se mal projetado, facilmente causa inflação, especulação de curto prazo e desalinhamento de incentivos. Há também a questão fundamental da qualidade do conteúdo. Quando você paga pessoas para tweetar, o resultado raramente é uma prosa digna de Prêmio Nobel. É mais provável que seja uma avalanche de "gm" e "wagmi" disfarçados de análise profunda.
Os desafios técnicos são igualmente desafiadores. Como distinguir entre conteúdo genuinamente valioso e spam sofisticado criado especificamente para burlar o algoritmo? Como prevenir que bots e farms de contas dominem o sistema? Como garantir que a descentralização prometida não seja apenas teatro enquanto alguns poucos controlam os parâmetros do algoritmo?
Com múltiplas plataformas InfoFi emergindo, cada uma com suas próprias métricas e sistemas de recompensa, usuários precisam navegar entre diferentes ecossistemas, resultando em experiência fragmentada. A falta de padrões unificados de informação e protocolos de dados entre plataformas cria silos de informação, impedindo a formação de efeitos de rede reais.
A integração com agentes de IA adiciona complexidade preocupante. A Cookie.fun já fornece análise em tempo real do desempenho de agentes de IA, mindshare e engajamento através de blockchains e redes sociais. O mercado de agentes de IA explodiu, indo de praticamente zero para 10 mil agentes em dezembro de 2024, com projeções de atingir 1 milhão até o final de 2025.
Em breve, poderemos ter IAs criando conteúdo para outras IAs analisarem, enquanto humanos assistem, tentando entender onde se encaixam nessa economia circular de atenção artificial. Projetos como ai16z (market cap de US$ 2 bilhões) já demonstram o potencial dessa convergência, com agentes autônomos gerenciando fundos e tomando decisões de investimento baseadas em análise de sentimento InfoFi.
O futuro promete ser ainda mais interessante ou assustador, dependendo da sua perspectiva. A convergência entre InfoFi e DeFAI (DeFi + AI) sugere um ambiente em que a criação de conteúdo, análise de mercado e execução de trades se fundem em um sistema automatizado que opera 24/7.
Para investidores, os números contam uma história intrigante. O setor InfoFi é avaliado em apenas US$ 649 milhões, o que representa menos de 0,03% da capitalização total do mercado cripto. Se InfoFi capturar apenas 1% do valor da economia da atenção digital (estimada em trilhões), estamos falando de um potencial de crescimento de 30 vezes ou mais.
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O que InfoFi realmente oferece é um espelho para nossa era digital. Em um mundo em que a atenção é a moeda mais escassa, faz sentido tentar tokenizá-la. A questão é se conseguiremos criar um sistema que realmente recompense qualidade sobre quantidade, insight sobre ruído ou se apenas criaremos uma versão Web3 dos mesmos problemas que já existem nas redes sociais tradicionais.
Olhando para o futuro, três cenários parecem possíveis. No cenário otimista, InfoFi evolui para se tornar a camada de monetização padrão para toda criação de conteúdo digital, com IAs e humanos colaborando em um ecossistema que recompensa genuinamente valor agregado. No cenário realista, InfoFi encontra seu nicho como ferramenta especializada para análise de sentimento cripto, coexistindo com modelos tradicionais. No cenário pessimista, InfoFi se torna apenas mais uma forma de farming de recompensas, eventualmente colapsando sob o peso de seus próprios incentivos distorcidos, ou então, evaporando como um golpe.
A verdade provavelmente está em algum lugar no meio. InfoFi representa uma tentativa genuína de resolver problemas reais: a exploração de dados de usuários por big techs, a falta de compensação justa para criadores de conteúdo, a dificuldade de filtrar sinal de ruído em mercados saturados de informação. Se essa tentativa irá resultar em revolução ou apenas em mais complexidade desnecessária, só o tempo dirá.
Por enquanto, continuamos scrollando, tweetando e, quem sabe, ganhando alguns tokens pelo caminho. Afinal, se vamos passar horas intermináveis debatendo se o Bitcoin vai para US$ 150 mil ou se vai para zero, pelo menos agora existe a possibilidade de sermos pagos por isso. É o capitalismo de vigilância com um twist Web3: em vez de seus dados serem vendidos sem seu conhecimento, você os vende conscientemente por frações de centavo. Progresso? Talvez. Irônico? Definitivamente. Lucrativo? Isso ainda está por ser determinado.
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