As blockchains nasceram para eliminar intermediários, garantir imutabilidade e substituir confiança por matemática. Mas o que acontece quando a própria blockchain resolve agir como uma fintech com botão de congelamento? A Sui, uma das mais promissoras redes de primeira camada lançadas nos últimos anos, acaba de descobrir.
Até maio de 2025, a Sui era considerada um exemplo de eficiência técnica e crescimento orquestrado. Criada pelos engenheiros que lideraram os esforços de blockchain na Meta (ex-Facebook), a Sui era uma rede de primeira camada (L1) construída do zero com foco em paralelismo, baixos custos, alta performance e, acima de tudo, um onboarding que parecia Web2. Com o zkLogin, usuários podem interagir com a blockchain usando uma conta Google. Gas fees podiam ser patrocinados por dApps. Transações eram processadas em paralelo, eliminando gargalos típicos da rede Ethereum e afins. E o ecossistema... bom, esse estava em plena euforia.
A rede tinha atraído US$ 1,7 bilhão em TVL até o fim de 2024, com destaque para DEXs como Cetus e Kriya, o perps Bluefin, a lending Suilend e o orderbook nativo DeepBook. Protocolos que, juntos, respondiam por centenas de milhões de dólares em transações diárias. O market cap do token SUI tinha saltado 153% no trimestre de 2025, alcançando US$ 12,1 bilhões. Havia integração com USDC, suporte da Phantom Wallet, e até um ETN (notas negociadas na bolsa de valores) emitido pela VanEck. Era a nova estrela do céu cripto.
E então, num certo 22 de maio, tudo travou.
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O colapso de 10 minutos
Na manhã de 22 de maio de 2025, a Cetus Protocol, a maior exchange descentralizada da Sui, responsável por 75% de todo o volume DeFi da rede, foi vítima de um ataque implacável. Em dez minutos, US$ 223 milhões desapareceram. Para quem prefere conversão em real: cerca de R$ 1,1 bilhão em ativos líquidos evaporaram diante de um exploit engenhoso e direto.
Os atacantes implantaram tokens falsos nos contratos da Cetus. Com eles, manipularam as curvas de preço de vários pares de liquidez e forçaram o protocolo a aceitar os tokens como se fossem válidos. Foi uma aula prática de como não depender exclusivamente de um oráculo mal calibrado. As liquidações foram rápidas. Pools inteiras foram drenadas. Os pares SUI/USDC, CETUS/USDC e LOFI/SUI ficaram irreconhecíveis.
O impacto foi imediato: tokens como LOFI, HIPPO e SQUIRT desvalorizaram entre 76% e 97%. O token CETUS caiu mais de 50%. A DEX Screener listou 46 tokens da rede com perdas superiores a dois dígitos nas primeiras 24 horas. O caos não ficou restrito à DEX: outras aplicações DeFi baseadas na Sui pausaram serviços. A liquidez secou. A composição de colaterais foi abalada. O ataque à Cetus provocou um efeito dominó que ameaçou a integridade do ecossistema como um todo.
O token Cetus

O invasor, segundo a Cyvers Security, converteu parte dos fundos para USDC e transferiu cerca de US$ 61 milhões para a Ethereum. Outros US$ 164 milhões permaneceram, por algumas horas, em uma carteira da própria Sui, o que permitiu o desfecho mais controverso dessa história.
Em poucas horas, os 114 validadores da Sui tomaram uma decisão: congelar os fundos do invasor. Foi uma ação coordenada, sem consulta pública, sem votação on-chain, sem qualquer processo de governança transparente. Um “pause” técnico, executado por uma elite de operadores da rede.
Assim, US$ 162 milhões foram congelados. O que para alguns foi um ato de heroísmo técnico, para outros foi uma traição à ideia de uma blockchain neutra e sem censura.
Quando descentralização é só marketing
O congelamento dos fundos do hacker foi eficaz. Mas também foi revelador. A Sui, que até então vendia uma imagem de descentralização técnica e autonomia dos usuários, mostrou que em momentos de crise, opera como uma empresa com controle de acesso. Com apenas 114 validadores ativos, um número minúsculo quando comparado aos mais de 1 milhão da Ethereum ou aos mais de mil da Solana, a Sui demonstrou que seu “consenso” pode ser alcançado por um grupo de WhatsApp.
A comparação é inevitável: a Ethereum não conseguiria congelar ativos dessa forma nem se Vitalik pessoalmente quisesse. A descentralização operacional da rede torna qualquer ação coordenada extremamente complexa. Já a Sui, em nome da proteção, foi capaz de agir com a eficiência de um banco e com a mesma falta de transparência de um comitê de crise.
A crítica não se limitou ao círculo técnico. Justin Bons, fundador da Cyber Capital, escreveu em sua newsletter: “Se blockchains podem congelar carteiras arbitrariamente, mesmo com boas intenções, então estamos reconstruindo o sistema financeiro tradicional com novos termos.” ZachXBT, investigador on-chain conhecido por expor fraudes, criticou a Circle pela demora em congelar os fundos em USDC, mas alertou para o risco de precedentes: “Hoje é contra um hacker. Amanhã, pode ser contra um endereço suspeito. Depois, contra qualquer um que incomode”.
As críticas

A ironia da situação é ainda maior considerando o histórico da equipe da Cetus. Em 2022, a mesma equipe operava a Crema Finance, uma DEX na Solana que também foi hackeada. O valor da época? US$ 9 milhões. A resposta deles? Um “acordo” com o hacker: ele devolveu parte do dinheiro, ficou com uma recompensa e todos seguiram em frente. Em 2025, com US$ 223 milhões drenados, repetiram a receita: ofereceram US$ 6 milhões ao invasor como um “bug bounty”, pedindo que o restante fosse devolvido.
Mesmo com a ação dos validadores e os fundos travados, a mancha ficou. A Sui, aquela que prometia ser a blockchain eficiente, segura e sem vícios de centralização, agora tinha em sua história oficial uma censura protocolar. E, pior, sem mecanismo institucionalizado para prestar contas.
A fundação respondeu rápido: prometeu um pacote de segurança de US$ 10 milhões, auditorias contínuas, melhorias no oráculo, protocolos de resposta em tempo real e a criação de um comitê técnico para emergências. Mas nada disso responde à pergunta central: quem decide o que é emergência? E com base em quê?
A descentralização, se não for praticada nos momentos de crise, serve apenas para brotar em discursos de marketing. E a Sui, nesse sentido, se distanciou da promessa original: substituir confiança por código.
A Sui depois da Cetus
Curiosamente, mesmo após a maior falha de segurança em sua curta história, a rede Sui não viu um colapso imediato. O token SUI caiu apenas 2,7% nas 24 horas seguintes. Isso diz muito sobre o estado de dessensibilização do mercado cripto. Após anos de exploits, rug pulls e governanças manipuladas, um hack de US$ 223 milhões em uma rede de primeira camada de ponta já não choca tanto assim.
Porém, o estrago estava feito em outras métricas. O TVL da Cetus caiu de US$ 330 milhões para US$ 41 milhões. O staking caiu momentaneamente para 73%, com saídas temporárias. Protocolos menores desligaram suas aplicações. A confiança dos desenvolvedores foi abalada e isso é sempre mais difícil de restaurar do que liquidez.
Mesmo assim, a Sui continua crescendo. Seu roadmap inclui a expansão do Walrus Protocol (um sistema de armazenamento descentralizado tipo SSD para smart contracts), a integração com o Seal (uma camada de privacidade e compressão de dados), e um plano agressivo de atração de desenvolvedores de jogos, ativos do mundo real (RWAs) e instituições financeiras. A fundação quer posicionar a Sui como a camada neutra para ativos do mundo real e os dados do primeiro trimestre mostram tração.
A rede liderou em número de carteiras novas entre as principais L1s, com crescimento de 124% no primeiro trimestre de 2025. Seu rendimento de transações superou a Solana em diversos momentos. A base de usuários ativos semanais cresceu 78%. A arrecadação com taxas aumentou 112% em um trimestre. O ecossistema continua recebendo investimentos, especialmente da fundação e de seus parceiros estratégicos, como a Franklin Templeton e a Mysten Labs.
Mas há um problema de fundo que os gráficos não mostram: uma rede só é tão segura quanto seu pior dia. E no dia 22 de maio de 2025, a Sui demonstrou que sua arquitetura, por mais moderna e robusta que seja, ainda depende de um pequeno grupo de humanos com poder de veto.
A comunidade precisa decidir se aceita isso como preço da eficiência ou se exige uma reinvenção do modelo de governança. Porque blockchains não podem ser tudo ao mesmo tempo: rápidas, escaláveis, reversíveis e imutáveis. Alguém sempre paga a conta.
O dilema é estrutural. E não é exclusivo da Sui. A Solana também já pausou a rede para atualizações. A Aptos tem uma fundação hipercentralizada. Até o Ethereum, com toda sua descentralização, ainda depende de líderes informais e fundações poderosas. A descentralização total é uma utopia operacionalmente cara e talvez indesejada por muitos usuários.
A pergunta que resta é: qual é o trade-off aceitável? Para a Sui, parece que o congelamento rápido, sem deliberação pública, está dentro do jogo. Os validadores, mesmo sem uma governança explícita para isso, agiram. E a fundação, até agora, apoiou.
Mas isso significa que a Sui é diferente do que dizia ser. É eficiente. É bonita. Mas não é neutra.
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