Just rug it e o que a Nike nos ensinou sobre hype, abandono e JPEGs sem alma
Edição #901 - Edição 17 de maio de 2025
Era para ser o futuro. Em dezembro de 2021, enquanto o mundo ainda se recuperava das mutações da COVID e o metaverso era a palavra do momento, a Nike resolveu calçar seus tênis digitais e dar um salto ousado rumo ao mundo cripto. Comprou a RTFKT, uma promissora startup da Web3, por uma quantia não revelada (mas certamente na casa dos milhões). Três anos depois, desligou tudo sem cerimônia, como quem desinstala um aplicativo que já não entrega mais o que prometia.
O resultado é um processo coletivo de mais de US$ 5 milhões, um rastro de colecionadores indignados, JPEGs sem imagem, promessas evaporadas e uma nova lição para os tempos digitais: quando uma corporação entra na festa cripto, o último a sair apaga a luz.
RTFKT, para quem não se lembra, surgiu em 2020 com a proposta de unir cultura de jogos, moda e arte digital. Lançou coleções como a CloneX (em parceria com Takashi Murakami), tênis virtuais como os CryptoKicks e acessórios digitais integráveis com avatares em diversas plataformas. Uma mistura de Fortnite com hypebeast que, em teoria, parecia perfeita para a nova geração de consumidores. Em 2022, um CloneX custava 3,5 ETH (cerca de US$ 8 mil). Os famosos “Mint Vials” da coleção arrecadaram mais de US$ 80 milhões.
Volume de venda das coleções da Nike
A Nike não entrou devagar. Prometeu um novo ecossistema, metaverso, integração física-digital, experiências exclusivas, drops limitados, bônus surpresa e um plano de recompensa contínuo. O que foi vendido ao público não era só uma imagem digital colecionável, mas um ingresso para o clube mais exclusivo da inovação digital. Era a chance de “estar na frente”. Ou, como dizia o próprio marketing da RTFKT, de “ser lenda antes de ser comum”.
E durante algum tempo, foi exatamente isso: vibrante. Donos do CloneX formavam subcomunidades, artistas e programadores colaboravam, a marca respirava inovação. A RTFKT virou o cartaz publicitário de que NFTs tinham vindo para ficar. Eventos digitais, parcerias com designers renomados, promessas de integração com plataformas de jogos, wearable tech para avatares. O céu era o limite…até que o chão desapareceu.
Dezembro de 2024. Com uma frieza quase robótica digna de comunicado de recall, a conta oficial da RTFKT publicou no X: "Hoje estamos anunciando o plano de encerrar as operações da RTFKT." Sem plano de transição. Sem estratégia de migração. Sem FAQ. Apenas silêncio. E então, semanas depois, os NFTs começaram a perder as suas imagens.
Um novo capítulo?
Sim, os JPEGs literalmente sumiram. Ao tentar acessar os arquivos visuais de NFTs de milhares de dólares, os usuários encontraram uma tela preta com a seguinte mensagem: "Este conteúdo foi restringido. Usar o serviço básico do Cloudflare desta maneira é uma violação dos Termos de Serviço."
O Chefe de Tecnologia da RTFKT, Samuel Cardillo, alegou que foi um problema com o plano de hospedagem. Que tudo estava sendo migrado para o Arweave. Que as imagens voltariam. Mas, no mundo cripto, timing é tudo. E o dano reputacional já estava feito.
Quando as imagens somem
O processo coletivo, liderado por investidores da Austrália e protocolado no Brooklyn, acusa a Nike de vender valores mobiliários não registrados, enganar consumidores com promessas vazias e, claro, executar uma “puxada de tapete” corporativa.
E aí vale uma pausa: o que são “valores mobiliários” e por que isso é grave? Valores mobiliários são instrumentos financeiros que representam um investimento com expectativa de retorno, como ações ou debêntures. Se um NFT é oferecido como promessa de ganho futuro ou acesso a recompensas de valor econômico, ele pode, de acordo com o teste de Howey, usado pela SEC, ser enquadrado como valor mobiliário. Nesse caso, deveria ser registrado junto aos órgãos reguladores, oferecendo transparência, riscos e garantias mínimas. Algo que, claro, não aconteceu aqui. Em vez de disclosures regulatórios, o que tivemos foram trailers cheios de vaporwave e slogans sobre o “futuro do esporte digital”.
As leis estaduais de Nova York, Califórnia, Flórida e Oregon também são citadas na acusação. A ação pede mais de US$ 5 milhões em indenizações. A Nike, como toda boa gigante, respondeu com o silêncio ensurdecedor de quem tem mais advogados do que seguidores no X.
O que é mais curioso nesse caso todo é perceber como, mesmo em um ambiente descentralizado e supostamente imune a abusos de poder, a lógica do capitalismo corporativo continua imperando. A Nike faturou alto — muito alto — no auge da febre NFT. Depois, simplesmente recalibrou suas “prioridades estratégicas” e seguiu em frente. Os usuários, bem… que guardem seus JPEGs sem valor como lembrança de um sonho que não se concretizou.
CloneX, a coleção principal, tinha mais de 9,2 mil donos únicos. Seu item mais caro chegou a ser vendido por US$ 60 mil em ETH. Em abril de 2025, após a debandada, alguns itens estavam sendo liquidados por US$ 230. Outros, talvez num misto de ironia e desespero, foram listados por cifras fictícias: US$ 176 quintilhões. O que antes era objeto de status e símbolo de pertencimento virou meme em fórum de shitcoins.
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A coleção era estruturada com atributos visuais raros, heranças de universos metaversais, trajes futuristas e até “DNAs especiais” que teoricamente dariam acesso a benefícios exclusivos. Nada disso sobreviveu à falta de sustentação institucional. Ou melhor: sobrou só o DNA, sem o corpo.
No primeiro trimestre de 2024, o mercado de NFTs movimentou US$ 4,1 bilhões. Um ano depois, esse número caiu para US$ 1,5 bilhão. Uma queda de 63%. Relatórios recentes apontam que 95% de todos os NFTs emitidos podem hoje não valer nada. O mercado virou zumbi. E grandes marcas, como a Nike, que deveriam ser âncoras de credibilidade, viraram catalisadoras do descrédito.
Mas a história não acaba aí. Ainda restam pontas soltas: o projeto INVTRY, que fazia parte dos planos de expansão da RTFKT, está em limbo. O metaverso, aquele paraíso virtual que uniria marcas, consumidores e experiências imersivas, virou meme corporativo. E o CloneX? Ainda existe. Está lá na blockchain. Mas sem suporte, sem atualização, sem rumo. Um esqueleto de glória passada.
Enquanto isso, figuras como Alan Wehbi (jogador de pôquer e colecionador NFT) afirmam que lucraram sete dígitos com a RTFKT e que a Nike está lidando com “problemas internos sérios” em seu departamento jurídico. Há rumores de novos processos surgindo. Mas nada que vá restaurar a confiança de quem acreditou no discurso e ficou com a conta.
Vale lembrar que essa não foi a primeira polêmica da Nike no território NFT. Em 2022, a empresa processou a StockX por emitir NFTs de tênis Nike sem autorização, alegando confusão ao consumidor. Irônico, agora que os próprios NFTs da Nike causam… bem, confusão ao consumidor.
Talvez o maior sinal do fracasso seja este: ninguém mais está discutindo “qual será o próximo passo da Nike no metaverso?”. O que se discute agora é “como a maior marca esportiva do mundo conseguiu cometer o mesmo erro de um dev anônimo de NFT em 2021?”.
No final, a grande lição talvez seja esta: quando uma marca tenta surfar a onda da inovação sem entender as marés que a movem, o naufrágio é inevitável. A Nike tentou virar referência em Web3, mas acabou como estudo de caso de como não se faz comunidade.
E se ainda restam dúvidas sobre o simbolismo desse colapso, basta lembrar: os NFTs não desapareceram. Estão todos lá. Registrados. Eternizados. Mas sem imagem, sem valor, sem alma.
Just Rug It™, mesmo.
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